“E o escritor se apaixonou pela sua personagem”, por Roberto dos Santos

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Por Roberto dos Santos Publicado em 14/06/2022, 15:02 - Atualizado em 14/06/2022, 15:02
Foto – Roberto dos Santos. Crédito – Arquivo pessoal. Siga no Google News

Otávio Augusto escreveu um livro, na verdade um belo romance. Escolheu como cenário um lugar isolado e lindo, nele transcorreu quase toda a trama do seu livro.

Um lugar cheio de mato, uma cabana bem simples e aconchegante próximo a uma nascente. Pássaros ao redor, uma horta, o vento, as estrelas, o sol, a lua, o dia, à noite e o amor.

A única coisa intrigante em sua história de amor era o fato de haver apenas uma personagem. Uma mulher chamada Sophia.

É claro que havia interação com outras pessoas, como numa fazenda que ficava não muito longe da cabana.

Otávio Augusto pensou em tudo para que sua personagem não sofresse com a solidão, ele acresceu a sua história um casal de lobos que ela pegou ainda filhotes perdidos numa mata próxima, provavelmente a mãe dos pequenos fora abatida por um predador enquanto procurava comida para seus filhotes. Certamente ele estava pensando na segurança dela, protegendo-a de animais ferozes, e/ou de alguém que intentasse mexer com ela.

Mas por que Otávio Augusto não criou um par romântico para Sophia? Como desenvolver uma história de amor com apenas um personagem?

O escritor na verdade não queria ninguém ao lado de Sophia, ele se sentia mal quando pensava em dinamizar a história com a presença de um homem com ela na cabana.

Otávio Augusto estava na verdade era com ciúmes de sua personagem. Ele se apaixonou por ela enquanto traçava o enredo a desenvolver no seu livro.

A imagem de Sophia que se formou em sua mente foi aos poucos lhe tomando por inteiro e quando percebeu já não tinha mais volta. Ele havia se apaixonado por sua personagem.

Foi por isso que pensou nos lobos, para que ninguém se aproximasse dela. Criou situações para que ela conseguisse proventos como comida roupas e entretenimento tecnológico, como internet por exemplo. Ele não queria que ela ficasse alheia aos acontecimentos do mundo. Contudo no seu dia a dia usufrua apenas da companhia dos lobos, da paz e da tranquilidade que o lugar lhe proporcionava, rara era as vezes que fugia da rotina.

Ele descrevia Sophia como uma linda mulher, enfatizando nas palavras recheadas de amor, o momento em que ela acordava de manhã e toda despenteada e linda ia ver o sol, compondo com ele a belíssima paisagem.

O escritor classificava esses momentos como o que havia de mais bonito sobre a face da terra.

Falava dos cabelos, descrevendo-os como nem grande nem pequeno, do sorriso dizia que era farto, sem esquecer-se de enaltecer a simplicidade que ele dizia ser um toque de magia, algo inigualável.

Mas quando Otávio Augusto já passava da metade de seu livro, caminhando para os arremates finais, sentiu um aperto no coração e movido pelo imenso amor que sentia, decidiu criar um amor para Sophia.

Ele chorou muito quando se deu conta de que entre o real e o imaginário havia um abismo a ser transposto. E ele ainda não sabia como fazer isso, então criaria um amor para Sophia imaginando que isso a faria feliz, mesmo que tivesse de mudar enredo que havia pensado inicialmente. O que significava nova dinâmica e um novo final.

A força para escrever esse final repaginado, ele encontrou no imenso amor que nutria por Sophia.

Um escritor apaixonado por sua personagem, algo extremamente fora do comum.

Faltando poucas páginas para terminar de escrever seu livro, ele criou uma situação em que ela conhecera Saulo e por ele se apaixonara. Seu coração doeu, mas a dor passou deixando apenas uma pontinha de tristeza. Mas Otávio Augusto tinha a convicção de que era isso que devia ser feito.

Sophia se casou com Saulo viveu algum tempo na cabana até que os lobos aprendessem a viver no seu habitat natural. Houve o dia que eles não mais voltaram, era o sinal de que tudo estava consumado, e a mulher do livro deixou para traz sua cabana, e partiu juntamente com Saulo para viverem na cidade.

O escritor Otávio Augusto, finalizou seu livro e ficou refletindo o que acontecera com ele enquanto escrevia sua obra.

Em voz alta rompendo o silêncio da madrugada ele disse envolto por grande emoção:

— Sophia tinha a simplicidade como seu maior encanto, as outras coisas vinham depois. Por isso me apaixonei por ela.

Mas o amor deve sempre vencer, ou melhor, no amor todos somos vencedores. A minha felicidade é amar Sophia, para mim isso basta.

Disto isso, continuou num choro silencioso e contemplativo a refletir cada palavra de sua obra.

2 Comments

  1. Cida 15/06/2022 em 13:51- Responder

    Mto lindo o seu conto Roberto, vc cada dia mais inspirado, parabéns!!!

  2. Leo 02/02/2023 em 22:15- Responder

    Por que ao invés de Saulo, não colocou no personagem que seria o par romântico dela, seu próprio nome? Otávio Augusto. 🙂
    Seria uma boa saída para resolver, pelo menos de certa forma, seu problema.

    Eu tava procurando alguma história assim, de algum autor que tenha se apaixonado pela própria personagem, kkkk

    Também escrevo, e não tem como a gente deixar de se envolver com e pelos personagens, de algum jeito.
    São meses desenrolando uma história, todo dia, ou quase todo dia, então é inevitável pro autor não se apegar com os personagens mais queridos durante esse tempo. Se a gente vê leitores envolvidos com personagens, levando muito menos tempo pra ler do que quem leva pra escrever, imagina os autores.
    Já me aconteceu pelo menos umas três vezes, hahahaha!

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