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Prosa na Janela: ‘Tudo depende do ângulo de visão’, por Roberto dos Santos

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 03/07/2019, 12:03 - Atualizado em 04/07/2019, 23:51
Roberto Santos, 49 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 15 anos. Siga no Google News

Assistindo uma vez mais ao filme Titanic, ocorreu-me refletir uma cena que me chamou atenção e que nas outras vezes, não provocara em mim tal reação.

Ainda não havia ocorrido o rasgo no casco da imensa embarcação. Uma imagem feita lá do alto mostrou o grande navio deslizando belissimamente pelas águas do atlântico norte, e um detalhe acabou me prendendo.

Ele se apresentava pequeno em meio à imensidão de água. Esse fato suscitou em mim uma reflexão onde o conceito de grandeza que eu tinha começava a ser ampliado.

Eu o vi por um breve instante como o barquinho que navegava naquela bacia cheia de água, o meu mar de brinquedo, que na minha infância fazia a minha alegria.

Na sequência as cenas do filme voltaram para o interior do navio e dessa vez meu olhar o enxergou grande e imponente, como de fato era.

As imagens continuaram a mostrar o luxuoso navio que os construtores pensavam ser um dos mais seguros de seu tempo e que em suas cabeças jamais iria para o fundo do mar.

Guardei no íntimo de mim todos esses detalhes que me fizeram refletir acerca do conceito de grandeza.

Dias depois estava no centro da cidade de Ouro Preto, na Rua São José para ser mais exato. Estava lá para pagar uma conta no banco e já de pé na fila aguardando o painel eletrônico anunciar o número da minha senha, visualizei a minha frente um homem cujas feições não me era estranha. Ele também me conheceu, porém nem eu nem ele lembrávamos o nome um do outro. Tomei a iniciativa e perguntei seu nome para reavivar a memória e descobrir em que lugar do passado nos encontramos.

Apresentou-se como Otávio e depois de me apresentar também, nos demos conta de que há alguns anos trabalhamos juntos numa mineradora da região, foi o último contato que tivemos.

Falou-me dos caminhos por onde andou neste tempo que perdemos contato.

Há seis anos mora em Ouro Preto, casou-se em Vespasiano, cidade próxima a capital mineira, morou lá por um ano e meio, depois conseguiu trabalho na cidade patrimônio da humanidade e atualmente reside no bairro Padre Faria.

Nasceu no distrito marianense de Águas Claras e lá viveu toda a sua juventude. Ausentava-se de seu povoado apenas para labutar na mineradora que trabalhava, foi onde o conheci.

Quando conversávamos referia-se a Ouro Preto como “cidade grande”, dizendo sempre saudoso de sua terra natal.

Lembrou-se da pinguinha da roça que seu pai produzia no alambique nos fundos da propriedade, dos balaios de taquara que fazia para complementar a renda da casa e que ele também aprendeu a fazer, e por último falou dos tempos da bola, lembrando com certa emoção as jogadas de efeito que fazia seu povo delirar.

Além da habilidade com a bola, tinha a alegria sempre estampada em seu rosto. Um bom dia aqui, um até já acolá, gentilezas e seu jeito simples de ser o fizeram popular, conquistando um lugar especial no coração de seu povo.

Essas informações ele partilhava na fila do banco, mas de olho no painel eletrônico para não passar a vez.

Reclamou também do anonimato em que vivia, relatando momentos de solidão e saudade. Falou com tristeza da sua relação com a vizinhança onde morava, usando a palavra frieza para definir esse pensamento. Sentia saudades do tempo em que vivia em Águas Claras, de ser notado a todo o momento e da relação alegre e despojada que o fazia feliz e realizado.

O número de sua senha apareceu piscando no painel eletrônico colocando ponto final no papo que empreendíamos.

Após ser atendido me esperou do lado de fora, e eu não demorei a sair.

Passou-me o número do seu telefone e ficamos de manter contato posteriormente. Despedimo-nos e cada um seguiu seu caminho.

Avancei pela Rua São José em direção à igreja do Rosário rumo a minha casa. Mas ainda no inicio da Rua Getúlio Vargas, pouco a frente da Praça Silviano Brandão – Largo da alegria- fui tomado por um pensamento que me fez sentar no paredão de pedra que margeia a citada rua. Fiquei olhando na direção da capela do Nosso Senhor do Bonfim e para as torres da igreja do Pilar, tendo também lá no alto o mirante da Universidade Federal de Ouro Preto, e na minha cabeça um pensamento aflorava com força descomunal.

Naquela hora os acontecimentos do filme Titanic que dias antes me fizeram refletir o conceito de grandeza, se misturaram com os relatos a pouco ouvidos na fila do banco.

Percebi que Otávio ficava incomodado com a correria das pessoas. A falta de interação umas com as outras, o fazia lembrar-se de sua terra natal onde todos sem exceção sabia quem era ele. Em Ouro Preto não encontrou a notabilidade e o reconhecimento que estava acostumado. O modo de vida da cidade era bem diferente do seu cantinho, e isso fazia com que se sentisse apenas mais um na multidão. Sentiu-se pequeno e anônimo em meio à suntuosidade da belíssima cidade monumento mundial e a tristeza virou uma constante em sua vida.

Após fazer uma analogia entre a cena do filme e a vida de Otávio, conclui que tudo depende do ângulo de visão.

Tanto o imenso navio, como Otávio, ambos estando na imensidão do mar ou na cidade grande como dizia o rapaz, suas características e condições sempre permaneceram inalteradas.  O mar não tirou do Titanic sua grandeza e imponência, assim como Otávio que morava na cidade grande, fato esse, que não tirou a enormidade de seu existir, que em Águas Claras era enaltecido em brados e profunda alegria.

Quando me ergui daquele paredão de pedra, me pus a caminhar lentamente, levando no meu coração um grande ensinamento. A certeza de que devo evitar ficar o tempo todo dimensionando isso ou aquilo, pois algumas coisas podem se apresentar monstruosas para alguns, e para outras inofensivas e diminutas. Tudo vai depender do ângulo de visão, tudo dependerá de como nosso olhar pousará sobre as coisas.

E assim cheguei em casa mais completo, pois meu conceito de grandeza não era mais o mesmo, havia se plenificado.

 

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