Prosa na Janela: “Sem tempo, sem lugar, sempre é tempo de amar”, por Roberto dos Santos

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Por João Paulo Silva Publicado em 06/05/2019, 14:52 - Atualizado em 04/07/2019, 23:16

Roberto Santos, 49 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 15 anos.

Ele não quis prender-se ao amor de uma mulher. Benito havia se desiludido na mocidade e o trauma da desilusão o acompanhou pela vida.

De bom coração e pensamentos refinados levava uma vida simples, herança de seus pais que faleceram razoavelmente jovens, vitimados por um acidente automobilístico.

Benito tinha mais dois irmãos e juntos driblaram a tristeza pela falta dos pais e também as inevitáveis dificuldades naturais da vida.

O tempo passou e a separação dos irmãos se fez inevitável. O mais novo foi trabalhar no estado de São Paulo e o do meio foi para o estado do Pará.  Benito o mais velho da prole permaneceu em Ouro Preto. Sua residência no Bairro São Sebastião abrigava além dele, o vazio e a saudade.

Os irmãos se comunicavam sempre e diziam-se saudosos. Além da saudade dos irmãos, Benito sentia a falta dos pais, pois a casa que morava conservava intacta desde a morte deles, os objetos que a mãe polia cuidadosamente. E no quintal a flor do morangueiro – a segunda paixão de seu pai- era abundante. Ele continuou a cultiva-los e com o tempo também aprendeu a gostar das flores que crescia nos talos do morangueiro.

Tudo isso fez com que sofresse muito, pois a dor da perda não se transformava em saudade.

Embora tivesse emprego fixo numa empresa da cidade e uma casa repleta de verde, a tristeza insistia em manter-se estampada em seu rosto.

Nem a flor do morangueiro que aprendeu a amar o fazia abrir sorrisos duradouros. A dor não se transformava em saudade e dia a dia os insights dos tempos felizes junto de sua família, faziam com que sofresse na solidão de sua casa.

Os anos foram passando e Benito conheceu Adélia. Começou sentir sensações nunca sentidas e emoções indescritíveis a ponto de querer estar com ela o tempo todo. Ela embarcava para o trabalho no ponto de ônibus próximo a casa dele, no mesmo ponto onde ele também embarcava. Só que Benito se dirigia ao local depois de muito observa-la.

Depois de alguns minutos em posição de contemplação seguia para embarcar.

Lá chegando a cumprimentava, e a constância dos encontros já rendia a ele sorrisos carinhosos. Ele pensava no íntimo que esse gesto representava certa atração de Adélia para com ele, mas na verdade era uma simpatia oriunda da proximidade que a rotina incumbiu de estabelecer. Nada mais que isso.

Adélia era casada e em momento algum pensou algo mais com Benito e nem mesmo sabia que em sua cabeça havia um desejo de ir além.

Benito ficou muito tempo com esse sentimento queimando lhe o peito e até a tristeza que tinha já não existia mais.

O desalento voltou a seu peito de forma cruel, quando criando coragem declarou-se a Adélia. E o que cultivou durante meses se perdeu em menos dois minutos, foi o tempo que durou as palavras professadas e a resposta que seguiu. Tudo aconteceu no ponto de ônibus antes que a condução chegasse.

Depois desse dia Adélia passou a evita-lo e não mais embarcou naquele ponto.

Mas ele a via todos os dias já dentro do ônibus.

Sua sensatez o fez reconhecer a impossibilidade desse amor e por isso comprou um carro, só para evitar o sofrimento diário de vê-la no ônibus.

Muitos anos se passaram, e ele por medo de sofrer, blindou-se contra o amor e manteve- se solitário a cultivar os morangos que aprendeu a gostar.

Amava as flores brancas e lindas que floresciam nos talos verdes do pé de morango na sua humilde plantação.

A idade chegou e a aposentadoria também. Os irmãos estavam sempre em contato com ele, mesmo longe mantinham uma relação de proximidade.

Morando sozinho e aposentado, continuou a plantar sua horta e seus morangos. Os morangos ele plantava simplesmente para render-se a beleza das lindas flores brancas. A produção aumentou porque a aposentadoria possibilitou mais tempo para o cultivo. Ele também aproveitava para sucumbir os pensamentos que lhe atordoavam e tiravam-lhe o sossego.

De tanto que passou a produzir que decidiu levar um pouco para o Lar de idosos da cidade de Ouro Preto. Não comercializava o produto e por isso era uma forma de não perder a produção. Uma vez por semana ele se dirigia ao Lar de idosos e levava morangos.

Essa visita semanal o fez conhecer Idalina. Toda semana ele jogava cartas com ela. Passou a separar para sua conhecida, um pote de morangos e sobre eles três flores do morangueiro. Embora nunca tenha apreciado o fruto vermelho do morangueiro, ele comia um morango toda vez que estava com ela. Era para que não se sentisse sozinha e abandonada. A flor que ornamentava os morangos ofertados a ela, Benito colocava delicadamente na palma da mão dela.

Era chamado no lar de idosos como Seu Benito, e sua conhecida a chamavam de Dona Idalina.

O sentimento que Seu Benito nutria por Dona Idalina, era parecido com o mesmo que há muito tempo sentiu por Adélia. Ele desconfiado de que estava apaixonado pela “senhora”, resolveu fazer diferente. Primeiramente estava se achando velho demais para amar. E pensou não valer a pena passar por tudo de novo, contudo o sentimento que existia dentro dele o impulsionava na direção de Dona Idalina.

Não conseguindo deixar de sentir o que sentia, resolveu ir morar no Lar de idosos. Falou com seus irmãos da solidão que habitava seu existir e da necessidade de descansar um pouco. Só não falou de Dona Idalina.

Depois de conversar com os administradores do Lar de idosos, ele se mudou para lá. Nem Dona Idalina sabia do interesse dele por ela. Ele não queria cometer o mesmo erro de tempos atrás, embora já o estivesse cometendo. Afinal a demora em declarar-se a Adélia o fez perder muito tempo amando em silêncio e se frustrando ao se declarar. É exatamente o que ele estava fazendo com seu novo amor.

Mas no seu modo de pensar, dessa vez ele só iria se declarar caso não houvesse nada em contrário.

Alugou a casa no Morro São Sebastião e o dinheiro do aluguel ele enviava ao lar de idosos entendendo que era justo pagar pela sua estadia ali.

Já instalado e vivendo como escolheu, tratou de encontrar um cantinho para cultivar alguns pés de morango. Dona Idalina além de jogar cartas com ele o ajudava no cultivo daquele fruto vermelho.

Seu prazer maior era ofertar a ela as flores brancas do morangueiro, o sorriso despretensioso dela o fazia delirar.

Numa manhã de domingo ele perguntou a Dona Idalina se ela era casada?

Ela imaginando que fosse apenas curiosidade, respondeu que nunca se casou e com a morte de seus pais e a chegada da idade resolveu ir morar ali. Seu Benito ficou eufórico, mas se conteve. Já que ela estava calma fez outra pergunta:

— Não pensa em arrumar um namorado?

Dona Idalina dessa vez se assustou, mas respondeu a pergunta:

— Não tenho mais idade para isso.

A Senhora é tão bonita e demonstra tanta jovialidade. Disse Seu Benito aproveitando a deixa. Era só uma conversa por enquanto.

A mulher ficou desconsertada, mas aquelas palavras mexeram com ela. A noite do domingo chegou, e dona Idalina recolhida em seus aposentos não parava de pensar nas palavras que ouvira na manhã daquele dia que já se aproximava do fim. Vez por outra a ideia de achar-se velha ainda queria se impor, mas um sentimento novo a fazia vislumbrar novos tempos.

Seu Benito ficou doente e acamado devido a uma pneumonia, e Dona Idalina ficou muito triste, ela não se dava conta que estava amando. Tinha para si a ideia de que não tinha mais idade para isso e tudo não passava de um querer bem, embora esse desejo provocasse nela profunda felicidade.

Seu Benito recebeu alta do hospital, sendo recomendados cuidados especiais por parte do Lar de idosos. Com saudades de dona Idalina, pediu aos administradores do Lar para que ela o assistisse em seu leito. O pedido foi atendido, pois ela era uma mulher bastante saudável. Ao ser comunicada do desejo de Seu Benito, Dona Idalina aceitou prontamente, pois também estava com muita saudade do moço. Ficava até às dez horas da noite cuidando dele, e só não estendia o horário por causa das restrições impostas.

No terceiro dia acamado Seu Benito teve medo de morrer, e isso o impulsionou a se declarar a mulher que ele amava em silêncio.

Pediu que se aproximasse da cama e acomodasse ao seu lado. Disse ter algo muito importante a dizer. E com os olhos umedecidos começou a falar:

— Estou com medo de morrer, já estou velho. Mas ainda me sinto bem vivo e vou te falar uma coisa muito importante mesmo sabendo que posso choca-la.

Eu estou gostando de você e queria passar os meus últimos dias ao seu lado. Mas sei que…

E antes que terminasse a frase Dona Idalina chorou de soluçar. Ele pediu desculpas e se entristeceu pensando ser mais um amor impossível.

Dona Idalina em meio aos soluços bradou:

— Eu quero.

Dessa vez o choro tinha tons agudos e masculinizados, regados a lágrimas emocionadas que como gotículas de chuva nas folhas verdes, deslizavam pelo rosto ruborizado e agora esperançoso de Seu Benito.

E Dona Idalina com a voz trêmula de emoção intercalada com soluços agora moderados, falou:

— Senti tanta saudade e tive medo de perdê-lo. Quero cuidar de você.

Seu Benito e Dona Idalina se envolveram num abraço que parecia não ter fim. Emocionada e falante, disse a ele que cuidou dos morangos enquanto ele se recuperava só para poder de alguma forma estar perto dele.

Dois dias depois Seu Benito estava de pé e por surpresa dos médicos plenamente recuperado. Os médicos e administradores do Lar se perguntavam que força teria sido aquela que ergueu aquele moço? E ele Silenciosamente no seu coração respondeu:

— A força do amor.

Os dias que seguiram foram para convencer a todos de que precisava se casar com Dona Idalina. Ela por sua vez era pura felicidade.

Tudo deu certo e a data foi marcada. Os irmãos e suas famílias vieram para a cerimônia. Balões coloridos e bandeirolas deram cores à felicidade do casal.

Depois da união consumada foi sugerido pelos irmãos que morassem na casa da família no Morro São Sebastião, mas eles não quiseram, resolveram continuar morando no Lar de idosos onde estavam.

Eles sabiam que lá muitos amores eram sufocados, e viver naquele lugar seria como que desmistificar a ideia de que a idade cronológica definia o tempo de amar.

Não tinham a intenção de falar de amor, mas ser a presença viva dele. Não era aquele amor fogoso como na juventude, porque estavam numa fase da vida onde a amizade e o companheirismo era a mais sublime forma de amar. Sorrisos fartos, carinhos expressivos, olhares cheios de amor, mão na mão e coração com coração. Assim a vida seguiu provando que o amor não tem idade.

Seguiram a cultivar os morangos pelo prazer de ver brotar as flores brancas, símbolo do amor do casal.

Assim caiu por terra a ideia que habita muitas mentes por ai! De que a longevidade nos fazem passivos ante a vida, e que o tempo de vida que nos é creditado nos tira à capacidade de amar, logo o amor não tem idade e deve ser vivido a todo tempo, eternamente.

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