Prosa na Janela: ‘Flor de papel’, por Roberto dos Santos

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Por Roberto dos Santos Publicado em 20/11/2019, 17:39 - Atualizado em 20/11/2019, 17:39
Roberto Santos, 49 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 15 anos. Siga no Google News

Uma folha de caderno toda amassada no canto do passeio na Rua Pacífico Homem, a mais ou menos cinco passos do acesso ao Morro da Forca em Ouro Preto, motivo pelo qual interrompi minha caminhada. 
No papel amassado encontrei o desenho de uma flor com pétalas azuis, quem coloriu dispunha apenas de uma caneta esferográfica. Trazia também em azul a seguinte inscrição: “EU TE AMO”.

Guardei imaginando a importância da singela flor. Talvez fosse uma declaração de amor perdida entre as pedras centenárias da encantadora cidade de Ouro Preto.
Não hesitei em apanha-la, afinal no jardim ou numa folha de caderno amassada, uma flor merece total reverência.      
O perfume que ela não tinha criei em minha mente, quanto a beleza, sua singeleza me bastou.

Aquela flor desenhada numa folha de caderno toda amassada, certamente era uma declaração de amor que foi ao chão num instante de profunda infelicidade, provavelmente caiu do bolso, ou de um livro onde marcava a página, não tem como saber, apenas suposições que nascem após as constantes viagens que o imaginário nos proporciona ao momento em que ocorreu o fato.

Quando a encontrei estava amassada espremida no canto do passeio, carros haviam passado sobre ela, pessoas também pisaram naquela flor de papel. Era justamente na parada de ônibus, sentido Praça Tiradentes.

Quando apanhei o papel, ele revelava apenas rabiscos azuis desconexos, os contornos delineavam pétalas, o preenchimento tinha formas desiguais, a uniformidade inexistia, era uma tentativa de dar cores azuis a flor de papel, mas a carência de recurso técnico e ferramenta adequada, não proporcionou ao idealizador da criação, a beleza pretendida, assim creio.

Desfiz as dobras e devagarzinho friccionei uma mão na outra provocando um efeito com o de um ferro de passar. Ao desamassar notei que os rabiscos formavam o desenho de uma flor.

 A mesma caneta que desenhou, também coloriu e grafou em palavras uma belíssima declaração de amor. Foi o que concluí.

EU TE AMO, estava escrito em letras maiúsculas, realçada em negrito, efeito conseguido depois de repetidos contornos.

Confesso que meus olhos quase se afogaram em lágrimas, quando me dei conta de que alguém iria entregar aquele papel a alguém. Devia ser uma pessoa simples transbordando de sentimentos nobres, dentre os quais o amor era manifesto.

Fiquei a imagina-lo sem a flor, o momento exato dessa descoberta. Quanta frustração teria sido. Nela certamente estava tanto sentimento, devia ter imaginado tudo que diria na hora do encontro, todo seu amor estava nos rabiscos e contornos azuis que coloria o branco pautado do papel.

Permaneci no local por algum tempo esperando que voltasse, mas em vão foi minha espera.

Meus olhos não saiam daquele papel que fazia às vezes de flor, fiz uma prece desejosa de que o autor tivesse encontrado outra maneira de declarar-se a seu amor.

Fotografei a obra de arte e publiquei o desenho no meu instagram. Nutria a esperança de que fosse visto, porém o autor do desenho não se manifestou.

Era uma tentativa extremada de minha parte, pois lá dentro, bem dentro de mim, tinha quase certeza da impossibilidade do acesso a esse meio de interação social.

Talvez o mecanismo usado para a confecção do desenho, fosse a única forma acessível ou que tivesse domínio, não sei, o jeito que encontrou para dizer do amor que sentia. Contudo o universo que eu permeava, era de pensamentos e conjecturas. A única certeza era que se tratava de uma história de amor.

Não tendo mais como me aprofundar, segui meu caminho mergulhado num emaranhado de pensamentos, e neles a avassaladora dúvida:

Qual a real história desse papel amassado cujo singelo conteúdo, dava a entender que seria endereçado a alguém?

Pode sim ser amor, afinal ele está em tudo, e porque não em contornos modestos expressos numa flor, em uma folha de papel?

Oh anônimo!  Artista e amante encontre seu amor e ame sem medida.

E se não for o que pensei, pelo menos entendi e aprendi a enxergar o amor na mais pura singeleza. E atento hei de percebê-lo e percebendo, que esteja em mim, e estando, que seja eterno.

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