Prosa na Janela: “Confluência, o endereço da felicidade”, por Roberto dos Santos

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 08/08/2019, 12:45 - Atualizado em 08/08/2019, 12:46
Roberto Santos, 49 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 15 anos. Siga no Google News

A intenção não era se apaixonar, mas o conteúdo do envelope branco que encontrou caído na calçada trepidante da Rua São Francisco de Paula, bem na confluência com as Ruas Teixeira Amaral e Joaquim Jacinto Araújo, a alguns passos da Igreja de São José e quase em frente ao Fórum Cível de Ouro Preto, causaram em Pedro tremor e um misto de realização e êxtase.

Como estava perto do Fórum Cível, imaginou que alguém tivesse perdido algum documento importante, não hesitou e abriu imediatamente.   

Ali começou sua felicidade. Ao ver o que tinha dentro estremeceu, era a imagem mais linda que o rapaz havia visto.

O envelope foi aberto quando já estava sentado na escadaria da igreja de São José, caminho para Rua Getúlio Vargas, onde teria um compromisso naquela tarde feliz.

Duas fotos foi o que encontrou, e a imagem que aquele papel fotográfico estampava era o que havia de mais bonito. Colocou as fotografias emparelhadas sobre um dos degraus centenários do templo dedicado a São José, e alternava olhares entre elas. Sua face expressava puro contentamento.

Um rosto angelical ocupava todo o espaço do papel fotográfico, um sorriso lindo, uma boca sensual, tendo nos lábios um batom que identificou como lilás cabelos ruivos a altura do pescoço, um olhar de menina, puro e desarmado, essa era a primeira foto.

Na segunda imagem uma estampa delicada e bela ocupava toda a extensão do papel, e além do rosto já descrito por ele na primeira foto, visualizou por completo o corpo da bela mulher.

Ombros largos e bonitos, pernas grossas, sem contar o charme que demonstrava com a leve flexão das pernas e a suave inclinação de sua cabeça.

No rodapé da fotografia uma palavra dizia quem era a dona de toda essa beleza.

Amália era o nome da mulher do retrato, que o acaso, o destino ou os dois juntos trouxeram até ele.

Pedro já estava apaixonado por ela, o que seus olhos puderam ver já bastou para acender dentro dele um querer a mais.

Mas Pedro tinha a sensação de conhecê-la de algum lugar. Aquele sorriso não era estranho, porém o fato de estar sob forte emoção o impedia de concentrar nas feições de Amália e descobrir de onde a tinha visto.

Quando olhou no relógio, o adiantar da hora já indicava que seu compromisso se aproximava do fim, era inútil tentar chegar ao local agendado.

Resolveu permanecer onde estava e continuar a contemplar Amália. Uma imagem forte que o prendera fazendo- o esquecer do mundo a sua volta.

Duas horas se passaram e Pedro não saiu do lugar, ora olhando as fotos, ora tentando lembrar-se de onde conhecia aquela linda mulher.

O sol já se deslocava vagarosamente rumo às montanhas que abraçam a cidade, quando contornando a curva e indo na sua direção, uma mulher aparece, e de cabeça erguida passou perto de onde ele estava sem percebê-lo. Seu olhar mirava o ponto futuro parecendo querer visualizar alguma coisa.

Pedro notou algo familiar na mulher, mas continuou sentado na escadaria da igreja e pensando nos acontecimentos daquela tarde. Alguns minutos depois ela voltou e dessa vez viu Pedro quieto e olhando na sua direção.

— Você viu um envelope branco caído aqui por perto?

Antes mesmo de responder a pergunta da mulher, Pedro deixou escapar uma lágrima que solitária passeou pelo seu rosto e em queda livre foi ao chão regando de amor a centenária escadaria. A bela mulher não entendendo nada e imaginando que o moço estivesse com algum problema sério, sentou ao lado dele e perguntou se estava tudo bem.

— Esse aqui?

Perguntou Pedro erguendo o envelope branco contendo as fotos da mulher que o encantara.

— Você é a Amália?

— Sim! Disse ela um pouco surpresa.

Outra lágrima de amor deslizou pela sua face, e o envelope ainda na sua mão absorveu aquela gotícula não permitindo que fosse ao chão.

A mulher a sua frente era Amália, porém estava muito mais bela que a foto mostrava. Pedro chorou quando ouviu a voz dela, as palavras e o timbre o reportaram ao festival de inverno, quando ela estava com as amigas cantando uma canção e ele passava por entre as mesas no exato momento. A voz de Amália o estremecia por dentro, mas não teve coragem de tentar um algo mais. Apenas permaneceu por perto curtindo a noite e se deliciando ao som da voz da então desconhecida mulher. Depois disso não a viu mais.

Quando viu as fotografias recém-encontradas, reconheceu o sorriso sem lembrar-se de quem era, foi o inconfundível som da voz que deu formas ao que antes estava obscuro.

Amália ainda sem entender nada, observava os olhos de Pedro vermelhos e vertendo lágrimas. Foi quando ele resolveu explicar o que estava acontecendo.

— Me apaixonei por você. Essas palavras assustaram Amália, pois para ela acabaram de se conhecer.

Pedro então explicou tudo, enfatizando os dois momentos mágicos que julgou primordiais para que se rendesse aos encantos dela, ou seja, quando ouviu a voz por ocasião do festival de inverno e no momento em que encontrou o envelope branco.

Amália sorriu atônita, achando tudo como que um enredo de novela. Pedro ainda emocionado esboçou um sorriso e o clima entre os dois amenizou-se. Ela então conversou com ele mais tranquilamente.

Alguns minutos se passaram e Pedro ousou dizer olhando nos olhos dela o quanto era linda. Amália ficou desconsertada abriu um sorriso, mas não disse nada. Olhou no relógio e viu que já era tarde.  O sol já havia ido embora, a escuridão se aproximava, as luzes já estavam acesas. A impressão inicial de Amália havia se desfeito, pois descobriu que era mal de amor o que fazia o moço chorar. 

Ela disse que não morava longe e ele também. Anotaram os telefones um do outro e minutos depois já estava descendo a rua em direção a sua casa. Enquanto caminhava, o toc toc dos sapatos quanto em contato com as pedras da calçada, ao mesmo tempo que dava a ela certo requinte, soava aos ouvidos de Pedro como uma agradável canção de amor.  

Ele demorou mais alguns minutos no local e extasiado saboreava o momento desejando que não fosse último.

— Como Amália é linda! Voz suave em tom de amor, corpo bonito, alma leve. 

Espero reencontra-la e abraça-la com todas as minhas forças, aí o mundo pode acabar, desde que eu esteja nos braços dela e sinta toda aquela doçura que hoje senti nas suas palavras.

Pedro se levantou e movido por intensa alegria, caminhou lentamente em direção à igreja de São Francisco de Paula. Antes parou diante do portão lateral da igreja de São José onde está o cemitério, olhou para uma lápide que tinha uma escultura em relevo de um anjo alado com a cabeça baixa expressando dor, era o túmulo do romancista e poeta brasileiro Bernardo de Guimarães, cujo livro “Escrava Isaura” se destaca como romance mais popular. A ele Pedro pediu inspiração para os encontros que esperava acontecer futuramente.

Num outro ponto do cemitério pousou seus olhos sobre o túmulo do saudoso Cônego Feliciano Simões, popularmente conhecido como Padre Simões, e de olhos fechados orou. Agradeceu e pediu bênçãos. Certamente lembrou-se de Amália em suas preces.

Depois subiu a íngreme Rua São Francisco de Paula que dá acesso a igreja de mesmo nome e sumiu na escuridão.

O que aconteceu depois ninguém sabe, mas a esperança é que Pedro tenha conquistado o amor de Amália, afinal o acaso, o destino, seja lá o que tenha aproximado os dois, também os façam amantes e felizes.

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