Prosa na Janela: “Chuva de primavera”, por Roberto dos Santos

Roberto Santos, 49 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 15 anos.

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 30/09/2019, 20:08 - Atualizado em 30/09/2019, 20:08

Era a primeira manhã de primavera. O sol não veio naquele dia, deve ter sido de propósito concedendo à chuva a honraria de acolher a estação das flores.

Da janela eu via a chuva cair mansa a regar o jardim. As flores bailavam suavemente ao ritmo do vento. Os pássaros ciscavam em meio às pétalas de rosas que delicadas e vagarosamente se lançavam ao chão, se unindo a partes de outras flores e folhas que também se deixavam cair sobre o solo, formando um lindo tapete multicolorido.

Os pingos da chuva caiam parecendo acaricia-las, e logo depois eram absorvidos pela terra molhada, e dela emergiam sementes e pequenos brotos que alimentavam os pássaros. Era um espetáculo de vida e beleza. Muita coisa bonita acontecia naquele pequeno pedaço de terra na porta de minha casa.

Eu observador que sou, continuava debruçado na janela atento as várias manifestações e reverências preparadas pelo criador de todas as coisas.

O sol que neste dia descansava, certamente observava oculto acima das nuvens às maravilhas que acontecia naquelas primeiras horas de primavera.  Ele não quis brilhar naquele dia, talvez em respeito ou simplesmente para contemplar à singeleza e beleza da primavera.

Do céu apareceu uma cortina branca, e Ouro Preto foi toda envolvida neste branco véu. Talvez toda essa alvura significasse um pedido de paz, ou mesmo um adorno para fazer ainda mais belo, esse tempo de alegria expresso nas flores. Tudo estava muito bonito e eu permanecia olhando a chuva cair. Essas manifestações a minha volta, acendeu em mim o desejo de também fazer algo que expressasse minha alegria e contentamento. No entanto continuei a experimentar e vivenciar a intensidade que as coisas aconteciam.

O vento trazia minúsculas gotículas de chuva e meu rosto era levemente umedecido num gesto que mais parecia um beijo molhado. Quando isso acontecia com certa força, eu precisava fechar os olhos, e com eles fechados eu sentia o vento, que sussurrando parecia me dizer alguma coisa.

Instantaneamente abri os olhos e vendo a chuva cair, um desejo incomum tomou conta de mim. Desejei escrever nas águas da chuva um poema de amor. Fiquei pensando nas palavras invadindo jardins, escorrendo pelos telhados, molhando rostos e corpos por inteiro, viajando pelas calçadas e escadas ouro-pretanas.

Eu fiz um poema de amor para a primavera, enquanto olhava para o alto me deliciando com o mergulho das águas. Não precisei de uma folha de papel, as palavras foram grafadas no meu coração, e minha voz as proferiram, tendo o vento como propagador, direcionando-as ao infinito.

Minha esperança era que as palavras de alguma forma estivessem sido absorvidas pelas águas. Desejei que alcançasse terras longínquas para dizer as flores e ao universo o quanto amo a primavera. 

Após viver esses momentos de pura magia, sorri para a chuva, agradeci ao vento, e à primavera declarei-me apaixonado.

Pedi a ela um sinal para saber se havia escutado as palavras que com o coração disse a chuva, ajudado pelo vento. E na manhã seguinte uma rosa vermelha e pequenina floresceu no meu jardim.

Olhei para ela, sorri e segui para meus afazeres. Era o segundo dia de primavera.

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