Prosa na Janela: “A exata medida do amor”, por Roberto dos Santos

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Por João Paulo Silva Publicado em 12/03/2019, 14:38 - Atualizado em 03/07/2019, 22:04

Roberto Santos, 50 anos, nascido em Dores de Guanhães, chegou ao Distrito Ouro-pretano de Antonio Pereira em 1979. É porteiro na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e tem uma sensibilidade peculiar na apresentação de seus textos. É casado com Márcia, que é a aguerrida diretora da Escola Municipal Alfredo Baeta e têm o filho Antônio, de 15 anos.

Consuelo já passava dos cinquenta anos de idade, Amorim estava próximo disso.  Tudo normal se não fosse esse, o ponto de partida de uma discussão que trouxe a tona tantas situações conflitantes e geradora de reflexão.

Amorim amava Consuelo e ela também o amava. Esse sentimento nasceu em tempo de carnaval e emoldurado pelos casarões antigos e pedras centenárias da cidade de Ouro Preto.

Um amor que nasceu no carnaval, mas não foi um amor de carnaval.

A chuva caía torrencialmente quando Consuelo sem medo de ser feliz passava pela Rua São José sambando ao som de uma música que ela mesmo cantava. Outras canções ecoavam entre os casarões e ladeiras da histórica cidade, mas seu corpo balançava ao som da sua voz que incessante cantava uma marchinha carnavalesca.

Amorim que vinha do lado oposto a ela também sambava na chuva. A enxurrada tomava conta da rua, mas eles não estavam preocupados com isso, afinal era carnaval.

Ele estava sozinho e ela com duas amigas. Num piscar de olhos Consuelo foi ao chão e suas amigas imediatamente a ajudou a levantar. Ele institivamente correu para ajuda-la e encontrando-a de pé, amparada pelas amigas, parou diante dela e os olhares se encontraram. Ele fez silêncio para contemplar aqueles cabelos molhados que provocava um efeito belíssimo em sintonia com o rosto dela.

Quando ela se moveu Amorim notou certo desconforto no seu caminhar e perguntou se estava bem. Ela disse sentir uma leve dor e já pensava em caminhar devagar para casa. Ele então se prontificou a acompanha-la, inicialmente ela relutou, porém ao dizer onde morava coincidiu que era caminho para a casa dele.

As amigas percebendo um clima de romance no ar deram desculpas e não seguiram com ela. As características de Amorim não suscitava medo, sem contar que era morador da cidade.

Ele sendo um cavalheiro contou piadas no trajeto até a casa dela para fazê-la rir e esquecer a dor, ela gargalhava ao som das maluquices de Amorim e com isso nem mencionava a dor que sentia.

Ele olhava para ela e pensava consigo mesmo o quanto era linda aquela mulher. Ela também estava à vontade com ele e se correspondiam no olhar. Mas mesmo assim ele não ousou um algo mais, e sem saber ganhou o coração dela, justamente por que ela viu pureza em seu olhar.

O trajeto até a casa dela demorou mais de uma hora e chegando lá ele a recomendou cuidados com pé. Orientou a pedir seu marido a colocar compressas caso a dor aumentasse, e a posterior ida ao médico para verificar a exata extensão da lesão.

Ela disse que seguiria todas as recomendações exceto o fato de ser o marido a cuidar dela, pois estava separada já há algum tempo.

Ele deixou escapar uma ponta de sorriso, mas não se alongou, apenas acrescentou a despedida, o fato de nunca ter se casado e ela discretamente sorriu. Despediram-se e ele seguiu seu caminho.

Era domingo á tarde e a noite havia chegado enquanto eles caminhavam juntos rumo a casa dela. Embora fosse cedo ambos já sentiam que o dia havia sido bom e foram se recolher no aconchego de seus lares.

Enquanto caminhava para sua casa pensava naquele dia. Na mulher linda que o carnaval lhe trouxe e no desejo de encontra-la de novo. Procurou por ela nos outros dias de folia, mas não a encontrou, devia ser o pé machucado que a impossibilitara de estar lá.

Quando o carnaval acabou ele descobriu que ela gostava de ir à missa sábado à noite na Igreja de São Francisco de Assis próximo a feirinha de pedra sabão.

No primeiro sábado, após a descoberta, ele foi à celebração na centenária igreja, e lá avistou a mulher que lhe encheu os olhos. Num determinado momento da celebração ela o viu a sua esquerda e sorriu discretamente, ele em resposta lhe deu seu melhor sorriso.

No final da celebração ela acenou para ele e deixando transparecer alegria seguiu seu caminho e foi embora.

Durante a semana ele sentiu saudades dela e se viu pronto para tentar viver uma linda história de amor.

E o sábado chegou. Ele chegou cedo à igreja e ficou aguardando a chegada dela. Alguns minutos antes da celebração ele a avistou e foi ao seu encontro. Pediu que ao final da missa não fosse embora sem antes conversar com ele.

Consuelo não se opôs e assim foi feito.

Temendo que ela não tivesse muito tempo, Amorim foi direto ao assunto e não fez rodeios quanto ao que pretendia dizer.

Ele disse do quanto ela era bela, da alegria de estar com ela, do quanto ela lhe fazia bem e por fim do amor que sentia e do desejo de ficar com ela para sempre.

Ela se emocionou com as palavras de Amorim, e deixou deslizar pela sua face lágrimas de contentamento. Após ouvir as palavras que soaram melódicas aos seus ouvidos, ela também disse a ele que havia sentido sua falta, e que pensou muito nele depois que se encontraram na chuva.

Ele se alegrou imaginando que tudo estava dando certo, porém ela sem o sorriso lindo que lhe era característico lhe disse que nada poderia acontecer entre eles. Ele quis saber o porquê daquela reviravolta já que tudo estava indo tão bem.

Ela disse a Amorim que era mais velha, que tinha celulites, flacidez, rugas, estrias e ainda que estava acima do peso, que seu corpo não era mais de menina e que não podia ir além de uma bela amizade. Mas na verdade Consuelo sentia algo muito forte por Amorim, mas se julgava incapaz de fazê-lo feliz.

Receoso em perdê-la, ele procurou tomar as rédeas da situação e disse muitas coisas para fazê-la refletir:

Você tem a exata medida do meu amor, foi à primeira frase que pronunciou na tentativa de mudar seu pensamento.

Eu posso até procurar outro alguém, mas nunca serei feliz, pois você é única. Eu sei que nunca a encontrarei em outra pessoa.  As coisas que você não gosta em si, contam a sua história. A idade, as rugas, a flacidez, as estrias, mostram seu tempo, longevidade e vida. É graça, não desgraça, Fazem parte do seu caminhar.

Não vejo nada de errado com você, te quero exatamente assim, porque é assim que você é. Se fosse diferente não seria você e eu preciso de você.

Assim falou Amorim rasgando seu coração e deixando vir à tona tudo que sentia.

E quanto ao seu rosto lindo, seu sorriso, olhar singelo e penetrante? Jeito gostoso de andar… Disso não falou nada.

Você tem a dose exata de beleza que eu preciso. Se depois de tudo que falei, ouvir de você um sonoro “sim” serei o homem mais feliz do mundo.

Consuelo sentindo segurança e verdade nas palavras de Amorim se lança silenciosamente nos braços dele e ele relaxa os ombros, respira fundo, aliviando toda a tensão do momento, e aquele abraço no qual estava envolto significava o sim tão esperado.

Os padrões de beleza estabelecidos pela sociedade, não se aplicaram ao amor dos dois, mesmo porque o amor sendo livre se manifesta, como e onde quiser. Aflora-se onde encontra um coração que lhe seja dócil, independente dos traços físicos de quem quer que seja.

E livres das regras que o homem estabeleceu, foram vivendo dia após dia numa felicidade só deles.

Depois de tudo resolvido caminharam vagarosamente pelas ruas estreitas da cidade até chegar a casa dela e os dias que seguiram foram pura felicidade.

Um Comentário

  1. Glorinha Veloso 19/03/2019 em 21:59- Responder

    Maravilhoso! Quanta sensibilidade!

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