Presente de mãe é filho presente?, por Paula Dione
"Em uma cultura que ainda exalta o sacrifício como condição necessária à maternidade (ao amor até), propaga-se que a boa mãe seria a que sofre na gravidez e no parto, que abdica de sua vida profissional e sexual pela doação aos filhos e que aceita alegremente cada uma destas contingências como consequências naturais da maternidade", escreve a psiquiatra. Leia o artigo na íntegra.
Sem entrar no mérito de minha idade, venho dizer que sou da época em que utensílios domésticos como ferro de passar roupas, fogão e máquina de lavar eram considerados lindos candidatos a presentes de dia das mães. Recordo perfeitamente das atividades escolares (imagine!) em que crianças como eu eram incentivadas a recortar imagens desses apetrechos de revistas velhas, para depois colar em uma folha em branco, compondo as sugestões daquilo que seria a dádiva desejada pela mamãe em sua data comemorativa. Para finalizar, acrescentavam-se frases clichês e desenhavam-se flores e corações. Quem viveu, lembra.
Passados alguns anos, superado (ufa) esse hábito temerário, observamos a publicidade - que geralmente reflete tão bem a sociedade - tentando escapar do apelo aos presentes do passado, passando a “celebrar as diferenças” e “desconstruir estereótipos acerca da maternidade”. Estaríamos prontos para isso? O oportuno olhar de Vera Iaconelli em “Manifesto antimaternalista” nos recorda que persiste uma armadilha ideológica que busca fazer crer que a mulher é a principal (quando não a única) responsável pela criação e educação da descendência, e, pior, que seu maior prazer da vida consiste nisso. Assim, de acordo com esse viés, o maior presente da mãe, que deveria completá-la e conduzi-la à plenitude, seria exatamente a existência do filho.
Em uma cultura que ainda exalta o sacrifício como condição necessária à maternidade (ao amor até), propaga-se que a boa mãe seria a que sofre na gravidez e no parto, que abdica de sua vida profissional e sexual pela doação aos filhos e que aceita alegremente cada uma destas contingências como consequências naturais da maternidade. Felizmente, existem cabeças pensantes que vêm reivindicar a maternidade enquanto um trabalho como outro qualquer, que deve ser livremente escolhido e está potencialmente cheio tanto de delícias quanto de dificuldades, sendo o sofrimento algo socialmente construído. Essa ótica traz alguma esperança para a proposta de “desconstrução dos estereótipos acerca da maternidade”.
Diante dos supostos progressos que levaram a sociedade a, em questão de alguns anos, deixar de considerar utensílios domésticos como presentes de dia das mães, fica o convite a refletir, na mesma esteira dos debates sobre o dia da mulher, que presentes as mães de hoje merecem receber em homenagem a “seu dia”.
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