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O silêncio do dinheiro

A transição para uma economia sem dinheiro físico avança de forma quase imperceptível
Publicado em Colunas, Noticias
Data de publicação: 23/10/2025 18:30
Última atualização: 23/10/2025 18:31

Há poucos anos, o dinheiro era algo que se tocava. Hoje, quase não o vemos. Cada transação acontece em uma tela; cada pagamento deixa um rastro. A transição para uma economia sem dinheiro físico avança de forma quase imperceptível, mas já redefine a maneira como confiamos, trocamos e existimos dentro do sistema financeiro. Não é apenas uma inovação — é uma mutação silenciosa na arquitetura da confiança humana.

A história econômica sempre foi feita de transformações materiais: do ouro ao papel, do papel ao número e, agora, do número ao dado. Em cada etapa, a relação entre cidadão e moeda mudou de natureza. O que antes era um símbolo tangível de troca, hoje se dissolve em algoritmos que ninguém controla por completo. O dinheiro deixou de ser um objeto para se tornar uma promessa — a promessa de que o sistema continuará funcionando amanhã.

Essa promessa, porém, repousa sobre bases frágeis. Quando o dinheiro vive apenas nas redes, ele deixa de pertencer totalmente a quem o possui. Pode ser congelado, rastreado ou simplesmente desaparecer se a infraestrutura falhar. O que parecia liberdade — a velocidade de um pagamento instantâneo — transforma-se em dependência. Não de um banco, mas de uma engrenagem invisível que define o que significa “ter” ou “não ter”.

Essa mudança ultrapassa os números: altera também a estrutura moral da economia. O dinheiro em espécie, com todas as suas imperfeições, garantia uma pequena soberania individual — a possibilidade de existir fora do registro. Sua extinção reduz esse espaço de anonimato e amplia a fronteira do controle. O moderno se impõe como virtude, e a comodidade se disfarça de progresso. Mas uma sociedade que renuncia ao anonimato renuncia, também, a uma parte da sua liberdade.

O problema não é tecnológico, é humano. Quando a vida econômica depende integralmente de plataformas digitais, o acesso deixa de ser um direito e passa a ser uma condição técnica. Quem não tem conexão, fica de fora. Quem não domina os códigos, depende de outros. O sistema promete inclusão, mas frequentemente distribui dependência.

O futuro do dinheiro digital não será apenas uma questão de regulação, mas de ética. Se as moedas digitais emitidas pelos bancos centrais avançarem sem debate público, poderemos despertar em um mundo onde cada transação, impulso ou erro é conhecido e registrado. E se, um dia, esse sistema decidir corrigir-nos, talvez não exista lugar onde se esconder. O risco não está no código, mas em quem o escreve.

No fim, a pergunta é simples: quem deve ter o poder de decidir o que significa possuir algo? O dinheiro físico desaparece, mas a necessidade de confiar não. O desafio do século XXI não é criar uma moeda mais eficiente, e sim uma moeda mais humana — uma que nos recorde que o valor do dinheiro não está no seu suporte, mas na liberdade de quem o utiliza.

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