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‘O maravilhoso mundo do circo’, na coluna do professor Hércules Tolêdo Corrêa

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Por João Paulo Silva Publicado em 05/12/2018, 10:46 - Atualizado em 03/07/2019, 20:32

Hércules Tolêdo Corrêa é professor da UFOP e apaixonado por literatura, cinema, música e mais um monte de coisas.

Quando criança, vivendo na pequena Carmo da Mata, o acesso de crianças, jovens e adultos a certas manifestações artísticas se dava apenas por meio dos circos mambembes que vez por outra chegavam à cidade e instalavam-se nos terrenos baldios. O pessoal do circo pedia água e luz “emprestadas” aos vizinhos e vivia em parte da caridade dos munícipes. Com lonas velhas e furadas, nesses circos os artistas se apresentavam com roupas surradas e desbotadas, mas mesmo assim eu ficava encantado com aquele mundo fascinante, em que as moças de maiô pareciam não ter ossos, em que rapazes e moças voavam nos trapézios, valentes domadores exibiam leões velhos e cansados (acho que alguns desses animais nem tinham mais dentes), palhaços alegravam nossas vidas e comíamos pipoca, algodão-doce e maçã-do-amor.

Esses dias, voltando de uma aula de gastronomia, passei por um vibrante e colorido circo situado às margens de uma movimentada avenida na região da Pampulha, em Belo Horizonte. Meu coração vibrou de alegria. Da janela do carro, vi o horário da sessão: 20h30. Olhei no relógio de pulso: 21h20. Não dava mais para parar e entrar. O jeito era deixar pro dia seguinte.

No domingo pela manhã, mandei mensagens para meia dúzia de amigos, convidando-os a me acompanhar no circo. Nenhum deles pôde ou quis me acompanhar. Meu desejo de ver o espetáculo, de adentrar aquele mundo mágico que faz tanto tempo eu não frequentava, foi mais forte. Tomei banho, perfumei-me e lá fui eu para a matinê. Cheguei em cima da hora, mas deu tempo de optar entre uma cadeira lateral, a preço popular, e uma cadeira central, um pouco mais cara. Ah, eu mereço um lugar melhor! Comprei o ingresso. Comprei um saco de pipocas (me contive para não adquirir o pacote tamanho família, contentando com o menor) e passei pela lona. Um calor infernal, reflexo do tempo abafado lá fora. Não há ar-condicionado em circos, pensei! Resignei-me. Valia o esforço.

Ao meu lado, adultos com seus filhos. Pais, mães, tios, avós… Eu, sozinho, aguardava o espetáculo, comendo minha pipoca e observando as pessoas que entravam. Começa o espetáculo. Dez moças bonitas de malhas salpicadas de brilho entram no picadeiro. Cheias de plumas nas costas, as roupas são coloridas e as moças dançam e sorriem, tal qual vedetes de teatro de revista. A música instrumental é alta. Todos os sentidos estão em alerta: visão, olfato, audição, paladar e até o tato. Estou de corpo e alma no universo circense.

Os números são dinâmicos. Entra o malabarista e sua auxiliar. Começa seu número. Quando a luz se acende, percebo que é ainda um pré-adolescente, com seus 12 ou 13 anos. O rapazinho é preciso com os malabares luminosos, depois outros malabares, malabares com pontas de fogo, malabarismo com chapéus… muitos aplausos. Comentários de pais e crianças ao lado e atrás: nossa, tão novo ainda! Como ele deve ter treinado para fazer tudo tão certinho!

Depois vem a moça bonita e sorridente que faz mágicas e ilusionismo. Encaixota a sua auxiliar. Decepa sua cabeça. As crianças gritam de susto. Eu também me assusto. Fico curioso. Tento observar ao máximo para descobrir como se faz aquele truque. Nada percebo. Fantástico. Segue-se o palhaço, depois vem o galã, o palhaço mexe com as crianças, faz piadinhas não muito engraçadas, mas eu me divirto um pouco. Sinto-me um pouco criança ali naquele lugar e naquele momento.

Para mim, o ápice do espetáculo foi o moço voador. Um rapaz bem musculoso e com o torso todo depilado entra no palco vestindo apenas uma malha branca de cós alto e com brilho na cintura. Do alto da lona, descem duas tiras de um tecido bem branco. A brancura do tecido se mistura à pele alva do rapaz sem nenhum pelo no corpo. O rapaz enlaça o tecido em suas mãos e braços, a corda que os prende se move e o moço voa pelos ares do circo como se fosse um anjo. Passa por cima de nossas cabeças. Para. Muda a posição do tecido, volta novamente a voar. Assim se sucede de diferentes formas. E o moço se vai com os aplausos efusivos da plateia.

Intervalo de quinze minutos. Chegam à plateia moças e rapazes vendendo pipoca, batata frita, brinquedos brilhantes chineses, bolas enormes e coloridas com o nome do circo. Maçã-do-amor, uvas e morangos cobertos com chocolate no espeto. Algodão-doce. Tudo que faz a criançada babar e pedir aos pais, que enfiam as mãos nos bolsos e bolsas para atender aos pedidos, felizes.

Depois do intervalo teve contorcionista, teve mais palhaçada, teve diálogo entre galã e palhaço, teve mais mágica e depois voltou o rapaz-voador vestido de Capitão América. Agora ele não era mais um moço-voador, ele era o homem-bala. Entrou num canhão e segundos depois voou pelos ares, não como um anjo, mas como uma bala-humana… caiu deitado na rede de proteção, deu uns pulos e desceu, levantando as mãos e inclinando o corpo para receber os aplausos da plateia.

O número seguinte é um carro que se transforma em um robô, influência da TV nos números circenses e algo que não tinha nos pobres circos da minha infância. Aproxima-se o final do espetáculo. Auxiliares de palco trazem um enorme globo de ferro, coberto com um tecido preto onde estava estampada uma caveira. É o famoso Globo da Morte. Três destemidos motoqueiros entram no globo. Preparam-se bem. Concentram-se. Começaram a girar pelo globo em grande velocidade, subindo pelas suas “paredes” e ficando de cabeça para baixo quando dão a volta. Tudo tem de ser muito preciso. Qualquer movimento errado e pode acontecer um acidente fatal. O número é bem rápido e mais rápido ainda palpitam nossos corações. Num segundo momento, os três motoqueiros estacionam suas motos e entram mais dois no globo. Agora são cinco valentes motoqueiros a girar pelo globo. Aumenta nossa apreensão e aumentam os aplausos ao final. Saem do globo os rapazes. Quando retiram seus capacetes, é possível reconhecer o rapaz-voador, o galã e os outros três são pessoas que auxiliavam durante o espetáculo.

No circo, o espetáculo é coletivo. Até falaram o nome do voador e do malabarista, mas só o nome, sem sobrenome. Ambos, nomes bíblicos: Tiago e Lucas, respectivamente. Não tem nome de diretor. Não tem nome de preparador. Tudo é o circo, tudo é a magia do circo, esse espetáculo de artista anônimos, que são também, na maior parte das vezes, atletas e também montadores, bilheteiros, recepcionistas e o que mais precisar fazer. Tudo com muito brilho, mas sem o glamour que têm os artistas famosos da TV ou do cinema. Não têm a reverência que ganham os grandes atores e atrizes do teatro. Não têm o reconhecimento que se dá aos bailarinos. São artistas circenses, ponto!

E eu saio do circo feliz porque acho que reencontrei ali um pouco da minha infância perdida. Por uma hora e meia esqueci que nosso país está em crise e que em breve o que está ruim pode ainda piorar.

2 Comments

  1. Carla Coscarelli 05/12/2018 em 14:42- Responder

    Lindo texto, Hércules!

  2. Daniela Pena 05/12/2018 em 21:24- Responder

    Ótimo texto!!

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