Leia ‘O que existe por trás das palavras’, pelo professor Hércules Tolêdo Corrêa, da UFOP

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Por João Paulo Silva Publicado em 01/03/2019, 15:05 - Atualizado em 03/07/2019, 21:52

Hércules Tolêdo Corrêa é professor da UFOP e apaixonado por literatura, cinema, música e mais um monte de coisas. Atenção, puristas: esse texto pode conter expressões populares e ironias!

Nós, mineiros, andamos muito preocupados. Há cerca de três anos, a comunidade de Bento Rodrigues, pertencente a Mariana, tornou-se conhecida no Brasil e em várias partes do mundo. Há um mês, foi a vez de Brumadinho ganhar as páginas dos principais jornais do Brasil e de vários outros países. Infelizmente, esses lugares não ganharam espaço na mídia por causa de sua importância histórica ou porque uma delas tem um dos maiores e melhores museus a céu aberto do mundo, o belíssimo e agradabilíssimo Inhotim.

Como todos os leitores sabem, esses lugares ficaram conhecidos por causa do “acidente”, que muitos também chamam de “crime”, e que para todos não passa de uma grande “tragédia”.

A escolha de uma ou outra palavra não é apenas uma questão de denominação, trata-se de um ponto de vista. Ver o que aconteceu em Bento Rodrigues ou em Brumadinho como “acidente”, “crime” ou “tragédia” diz muito do lugar que ocupa aquele que fala.

As palavras não são inocentes. Cada uma delas exprime o acontecimento conforme aquele que enuncia o vê: como algo que aconteceu sem que houvesse qualquer possibilidade de interferência humana para que aquilo não ocorresse ou como algo que aconteceu porque não houve preocupação em garantir a segurança daqueles que poderiam ser atingidos pela lama repleta de “dejeitos” – como mal pronunciou certa autoridade brasileira, demonstrando, uma vez mais, o seu despreparo para lidar com tantos problemas que têm o país.

A empresa responsável pela represa diz que foi “acidente”, o Ministério Público afirma que se trata de um “crime”. Para nós, mineiros, principalmente aqueles que moram ou circulam pela região de grande parte dessas represas, como os arredores de Belo Horizonte (Nova Lima, Itabirito, Macacos, Ouro Preto, Brumadinho…), trata-se de um “tragédia” que permanecerá por muito tempo em nossas mentes, tenhamos perdido ou não parentes ou amigos nas duas situações.

Esses dias, ouvi pessoas defendendo ferrenhamente a permanência da mineração em Minas Gerais, por causa da geração de empregos, porque há bons empregos nelas para os engenheiros e geólogos formados na região; porque também geram empregos para a peãozada menos preparada da região; porque a mineração fomenta o comércio local, os hotéis, os restaurantes e os bares.

Há ainda o argumento de que assim temos pedras para construir belos “muros escravos” (e está aí uma outra denominação que nada tem de inocente e que tem me incomodado) que enfeitam nossas casas. Esse poderia ser um argumento que eu poderia utilizar, uma vez que recentemente construí um muro desses em minha casa e pelo qual estou apaixonado: no momento estou fixando pequenas plantas regionais, samambaias, avencas, musgo espanhol, marias-sem-vergonha, para transformá-lo também num jardim vertical, com pedras recobertas por musguinhos e limo.

Apesar da paixão pelo muro, incomoda-me um pouco saber que, para tê-lo, alimentei a pedreira que enfeia a porta do lugar que escolhi para morar e destrói mais um dos morros das Minas Gerais, montanhas tão caras para mim, que sempre digo preferi-las ao litoral. Não nasci para areia e mar. Nasci para as montanhas verdes de Minas. Aqui nasci, aqui vivo e cá quero morrer, mas não vítima de um crime como os dois aqui relatados. Assim seja!

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