Leia ‘Depois da Festa’ na coluna do professor Hércules Tolêdo Corrêa

Home » Leia ‘Depois da Festa’ na coluna do professor Hércules Tolêdo Corrêa
Por João Paulo Silva Publicado em 03/01/2019, 10:27 - Atualizado em 03/07/2019, 20:44

Hércules Tolêdo Corrêa é professor da UFOP e apaixonado por literatura, cinema, música e mais um monte de coisas. Atenção, puristas: esse texto pode conter expressões populares e ironias!

(Para Rosana Massada)

A Festa começou no dia 24 de dezembro e só terminou no dia 1º de janeiro… ou melhor, no dia 2 de janeiro, pois já passava, e muito, da meia-noite quando o último primo largou o copo de cerveja pela metade em cima da mesa e foi dormir num dos colchonetes espalhados pelo quarto da filha que tinha virado o quarto das visitas. Do dia 24 até aquele dia deve ter passado pela casa umas 50 e tal pessoas, mas apenas uma dúzia com um pouco mais de doze parentes dormiram lá esses dias… o suficiente para deixarem-na muito fatigada. Muito fatigada mas também muito feliz. Ela adora festa. Ela adora receber visitas.

Mas no dia 2 de janeiro de 2019, quando ela acordou, só estavam ela e o marido na casa. Ou melhor, só estava ela, pois o marido já estava no curral. Ela levantou cedo, como de costume, para coar o café ralo – bem típico das casas do interior mineiro – no mancebo de madeira. A temperatura estava amena. Havia chovido um pouco antes de ela levantar e o sítio estava todo molhado, como ela observou, ao olhar pela janela da cozinha, por cima do jirau que, diferentemente do costume, não tinha apenas panelas e louças lavadas, reluzentes, a secar. Tinha de tudo no jirau: copo de bebida pela metade, pratos sujos, travessas com restos de pernil e peru, arroz com passas… tudo molhado pela chuva da madrugada… abençoada chuva da madrugada, que fazia crescer mais o milho, que embonecava sorridente na roça depois da linha desativada do trem de ferro das Gerais.

Ela coou o café direto no bule. Olhou para o fogão a lenha e pensou: preciso usar mais esse fogão, mas dá muito trabalho acender o fogo. Sentiu um aperto no peito. Sentiu falta da confusão dos dias anteriores, quando já levantava com gente trafegando pela casa: cunhadas, cunhados, sogra, sobrinhos, agregados, aquele primo distante que morava na capital… Tomou um gole de café com queijo de leite de cabra que ela mesma fazia. Cabra ordenhada pelo marido, alimentada pelo marido, apartada pelo marido. Ali, agora, só ela e o marido ficaram. Até a filha caçula se fora, porque aproximavam-se as provas vestibulares e ela não podia deixar de entrar na universidade naquele ano. O filho mais velho também se fora com o amigo visitante para a cidade mais próxima. Só a mulher e o marido ficaram. Ela olhou pro quarto da filha que tinha virado quarto de visita e viu, em meio aos colchonetes, a boneca amarfanhada da sobrinha caçula. Quando foi apanhá-la, tropeçou no urso de pelúcia do baby da irmã: lembranças das visitas que tanto fizeram a sua alegria, que tanto preencheram sua vida naqueles dias.

No banheiro, ainda encontrou uma cueca do cunhado dependurada e um short da outra sobrinha misturado às suas roupas no cesto de roupa suja. Lavo junto com as minhas, passo bem direitinho e guardo o short na gaveta da menina caçula até a próxima temporada de festas.

Mas o aperto no peito estava grande. Cadê todos? Cadê a algazarra de que ela tanto gostava?  Todos tinham partido e deixaram-na sozinha, com seu marido, seus medos e seus fantasmas.

Deixar Um Comentário