Leia “Crônica de um amor abandonado”, por Sarah Tempesta

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 24/06/2019, 12:04 - Atualizado em 04/07/2019, 23:45
Sarah Tempesta é bióloga, colunista no site Global Sustentável e está sempre em busca do reverso do óbvio. Siga no Google News

Amigo eu lhe digo: você vai morrer, mas um dia isso passa, você precisa encontrar um modo de levar uma vida melhor…o amor não volta”, assim disse o farmacêutico para o homem aflito.

“… O amor é a viagem perigosa, insólita e desastrosa que um ser humano repleto de coragem se dispõe a fazer…, não tem volta meu caro…”, o dono do armazém gostava de ser profético e assim aconselhava seus fregueses.

“… Eu somente existo porque ela existe… só queria ter a minha vida de volta”, assim mesmo, com uma afirmação de botequim disse o barbeiro ao homem que ali estava para que cortassem seu cabelo.

“…. Quando ela se foi… uma dor tão pesada e insistente fazia parte do meu dia, passei a dormir mal, ou comia muito ou não comia nada!

Andei solitário por todos os lugares que íamos juntos, era uma espécie de ritual porque pisar em lugares que estivemos juntos era o conforto da saudade… a saudade é um esconderijo bem seguro e um chão de ilusões…

Um dia ela voltou, eu só sentia ódio por ela ter me abandonado e rompido com a minha estável rotina, eu lhe pergunto: existe coisa mais bonita do que um casal em um dia chuvoso estarem juntos em uma cama aconchegante e fazendo planos para o futuro? ”, o professor cheio de histórias para contar indagava o homem que ali estava atento e tudo ouvia com lividez.

“… Todos os miseráveis são miseráveis porque mentem que um dia amaram,

e o amor não é algo tão importante assim… damos tanta importância ao amor porque somos miseráveis…”, entusiasmado disse o entregador de cartas ao homem plácido e sem reservas para interpretar o que lhe diziam.

Antonio era um rapaz desiludido e iludido com a sua vida de rotina. Rapaz descente. Passava seu precioso e inexpressivo tempo acordando e indo ao trabalho, nos intervalos se alimentava bem, comida de mãe. Cuidava da saúde. Sua família era pequena e comum, pais envelhecidos e uma irmã professora primária. Moravam todos em uma pequena cidade, daquelas de época.

Antonio acreditava que estava em tempo de se casar e constituir uma família comum para ele, e assim continuar a vida.

Certo dia em uma festa da igreja “um grande evento social” como outros tantos   da pequena cidade, a irmã de Antonio, professorinha com nome desinteressante e vida intolerante, lhe apresenta uma moça de nome Ana.

Moça bonita, de nome bonito e roupas coloridas e um sorriso intencional. A moça Ana olhou Antonio e se mostrou muito interessada no eleito. Rapaz com emprego e de família era bom sinal. Antonio até se encantou com a moça, afinal ambos os nomes o dele e o dela começavam com a letra A, o rapaz acreditou ser um prenúncio.

A moça era simples como ele. Ana também era de uma família comum de pais envelhecidos. Ana era costureira e até tinha boa clientela, no passado havia sido rainha de vários bailes da cidade, ex namorada do delegado e ex vestibulanda de Pedagogia. Deixou de ser ex e passou a ser modista, costurava os sonhos das moças da cidade em cada vestido de baile que fazia. Era um brilho só aquelas roupas! As festas da pequena cidade era palco de esperança para as moçoilas.

Ana queria mesmo se casar.

Antonio passou a frequentar a casa da moça, o tempo de final de semana passava e os dois se enamoravam, faziam até planos para o futuro.

Firmaram namoro e depois noivado. Antonio comprou uma casa, um carro e passou a assistir jogos de futebol pela televisão aos domingos, afinal deveria se tornar um homem de costumes. O rapaz ordenou que a noiva nunca trabalhasse para os outros e deveria esquecer a máquina de costura, Ana aceitou.

Ana preparava o enxoval e anunciava para toda a cidade que ia se casar.

Os noivos frequentavam festas e até eventos políticos da cidade, marcavam território pela pequena cidade nos eventos sociais para anunciar e inaugurar a futura família que iriam formar.

Antonio amava Ana, o tempo ia seguindo e o amor crescia, Ana por sua vez amava a ideia de se casar assim como o moço que queria se casar com ela.

Enfim o grande dia, casaram-se. Festa e alegria!

Ana era a esposa e Antonio o marido, compenetrados acumulavam rotina.

A rotina de Antonio estava completa, no momento um filho seria ideal para confirmar a nova família.

Ana engravidou e pariu a criança com a promessa de sofrimento. Ana nunca seria a mesma de antes, e Antonio estava apaixonado demasiadamente pela mulher e pelo filho. A família foi crescendo, muitos filhos chegando e a casa cheia de barulho, eram as crianças em suas infinitas alegorias de atenção ao mundo que lhes era apresentado. O pai orgulhoso acompanhava a saga familiar, enfim a sua família em seus tratados de posse pelo mundo, Antonio era feliz.

Estava realizado, agora tinha filhos para cuidar e amar e uma esposa que cuidava de seu lar, o que mais ele poderia esperar da vida, talvez um outro filho para aumentar   a família. Os filhos crescendo e perpetuando o nome do pai. Que honra! Ana por sua vez estava farta, sentia-se quase como uma vaca e pior ainda era amamentar, seus seios já estavam caídos e melancólicos. A beleza ia embora.

A vida da ex moça basicamente era levantar muito cedo e arrumar a casa, preparar comida e ajeitar as crianças e alguns dos filhos já estavam indo à escola.

Triste sorte esta! Ana estava inconformada, ser mãe para ela não era tão bom, cozinhar era um suplício e passar toda a roupa da família um verdadeiro martírio, estava desiludida. Ana não via nenhum sentido em agradecer aos céus quando fazia um dia de sol como todas as suas vizinhas faziam, as vizinhas lavavam roupa e pediam pelo sol.

Lavar roupa de um batalhão de gente coisa horrível era para a jovem que um dia foi vários tipos de ex, mas não imaginava que casamento era um barco em águas furiosas, ela até tentava ser prestimosa só que agora Antonio estava envelhecendo e ela também, os filhos é que estavam próximos da juventude… e isso a incomodava muito, não suportava a ideia de seus filhos terem a idade tenra das ilusões da vida. A revolta estava pronta e Ana preparava o desfecho para a sua vida no silencio.

Certo dia Antonio chega cedo em casa com vontade de ir ao supermercado, compra de mês era algo inadiável, mas é indagado pela esposa:

– Antonio meu querido, afinal o que fizemos juntos? Casamos tive filhos e me sinto como uma galinha velha que sai botando ovo pela casa… e éramos jovens quando nos conhecemos e nem vi o tempo passar…. Estou decidida, hoje arrumo minhas malas e vou embora, irei para capital… começar vida diferente desta!

Ana se foi, ainda era dia e a vizinhança toda viu a esposa com uma mala velha e ares de vitoriosa, ninguém comentou o fato.

Antonio tranquilizado e soberbo, dissera aos filhos:

– Meus filhos não se incomodem, mamãe foi viajar e já volta já…

 

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