– É preciso descer uma trilha sinuosa, talhada por dentro da mata nativa e praticamente intacta, para se chegar às praias-irmãs da Engenhoca e Havaizinho, em Itacaré, no litoral sul da Bahia.
Não é nenhum exagero dizer que a visão daquelas praias, com as suas ondas beijando as pedras e areias cristalinas, é tão feérica e paradisíaca, que vale a pena todo o esforço e empreitada para se aventurar por aquele caminho aberto na floresta viçosa.
Os amantes de surfe, por exemplo, estão sempre transitando por ali, com seus rostos e partes cobertos de filtro-solar, e levando debaixo dos braços suas pranchas e expectativas.
Por alguma razão que desconheço, um homem da cidade, chamado Miqueias, colocou no coração que aquele lugar, além de todos os atributos naturais maravilhosos, deveria possuir um elemento místico: talvez tenha imaginado ser o quintal de Deus, por causa da beleza exuberante, e concluiu como 2 + 2 são 4, que se Deus passava ali seus finais de semana, deveria deixar sua cura naqueles cantos, em alguma parte.
Trouxe então nas costas o seu filho cadeirante – Thiago Cereja – que se tornou depressivo e desejoso em morrer, depois que perdeu a mobilidade das pernas em uma queda de moto.
O pai morria junto toda manhã, ao ver seu filho assim, tão entregue ao desejo de não mais viver, que precisava tentar tudo, para que seu filho voltasse à vida.
“Quem sabe as águas sejam mágicas e restaurem os seus movimentos? ” – Dizia no silêncio de seu pensamento.
Desceu todo aquele caminho feito um penitente, com o filho se sentindo um peso-morto agarrado às costas. Um dos surfistas emprestou uma das pranchas, e eles – pai e filho – brincaram debaixo do céu azul como se fosse a primeira infância.
Ao entardecer, as pernas de Thiago estavam lá, mortas como antes. O pai, frustrado com a fantasia que criara, recolocou o filho as costas para a difícil tarefa de ter que subir todo aquele caminho.
Com a boca junto a nuca de seu pai, o rapaz lhe disse:
– Pai, e se fizessem competições em que pessoas como eu pudessem surfar? Você me ajudaria a organizar isso?
– Sim, meu filho. Claro que sim!
Meio que desconfiado com a súbita melhora no humor do filho, Miqueias perguntou:
– De onde você tirou essa ideia?
Apontando para um pescador ao longe, ele respondeu:
– Foi aquele cara. Ele me deu essa ideia, e com ela a vontade de viver.
– Meu filho, escuta seu pai: aquele homem é um anjo.
Sobre o autor
Filho de pais surdos, o filósofo carioca Márcio Messias Belém se utiliza da crônica, do conto e mesmo da prosa em verso para tratar de forma delicada e ao mesmo tempo descontraída de um tema que deveria ser mais discutido na sociedade, a inclusão.
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