A apenas seis meses das eleições, a população brasileira ainda não ouviu dos pré-candidatos à Presidência da República e ao governo dos estados, alguns em busca da reeleição, propostas claras sobre plano de governo ou plano de metas econômicas, sociais, infraestruturais e ambientais. É preocupante, porque não se concebe a possibilidade de retomada do crescimento do País sem planejamento e os postulantes aos mais importantes cargos da nação parecem não se importar com isso.
As propostas até agora levadas ao conhecimento do eleitor são todas genéricas, superficiais. Estão muito longe de enfrentar os grandes desafios nacionais. Muito grave diante do cenário econômico nada animador desenhado para 2023, já prejudicado pela realidade atual. O crescimento econômico em 2022 será inferior a 0,65%, menor também que a taxa de crescimento da população brasileira. A inflação anual passa dos 10%, castigando o bolso dos cidadãos.
O déficit público efetivo fechará o ano em mais de R$ 700 bilhões e a previsão é de que os juros dos serviços das dívidas ultrapassem R$ 850 bilhões. A dívida pública bruta chega a R$ 8 trilhões, correspondendo a inacreditáveis 88 a 91% do Produto Interno Bruto (PIB). A taxa de juros Selic, atualmente de 12,75%, deve subir para 13,5 ou 14% até o fim de 2022.
Não bastasse tal quadro, o País ainda convive com corrupção gigantesca, que corresponde anualmente de 1,35 a 2,35% do PIB (de R$ 130 a R$ 220 bilhões/ano). Além disso, paga um custo altíssimo com o funcionalismo público: R$ 1,16 trilhão/ano, apesar de não haver excesso de servidores e de remunerar pessimamente os professores, os profissionais da saúde e os policiais. Essa despesa corresponde a 13,4% do PIB, muito mais do que a média dos 37 países membros da OCDE, de 9,8% do PIB com funcionalismo. A diferença corresponde a 2,5 vezes o custo anual do Sistema Único de Saúde (SUS), comparativo suficiente dar a dimensão do problema.
A decadência econômica do Brasil é uma triste realidade e se agrava ao longo do tempo. A taxa média anual de crescimento do PIB, que foi de 8,06% no final dos anos 1950, com Juscelino Kubitschek, caiu para 6,39% nas três décadas seguintes, e despencou para 2,05% no período de 1989 a 2021, com o País já sob nova Constituição. O crescimento teve pior desempenho ainda nos últimos 11 anos, com média anual de 0,59%, sofrendo nova redução (0,57%) neste quadriênio (2019-2022).
O País vive um declínio histórico, embora a carga tributária tenha sido aumentada brutalmente: correspondia a 17,2% do PIB em 1961 e passou para 33,0% em 2021, crescendo 91% nesse período. Se considerado isoladamente o período iniciado a partir da promulgação da nova Constituição, o aumento foi de 47%, passando de 22,4% do PIB em 1988 para 33,0% em 2021.
Agrava a situação o fato de a União conceder renúncia fiscal no total de R$ 380 a R$ 400 bilhões/ano, desprezando a Zona Franca de Manaus que participa com menos de 7% desse total (de R$ 26 a 28 bilhões), a despeito de ser a única a gozar de previsão constitucional.
Nada disso é tratado com seriedade e transparência pelos pré-candidatos nas inserções partidárias de rádio e televisão, gratuita para os políticos, mas pagas pela população. As promessas são sempre as mesmas e todos apresentam soluções milagrosas sem apontar ações efetivas nas causas das mazelas nacionais.
Para mudar para melhor, o País precisa de compromissos verdadeiros, a começar pelo combate eficaz contra a corrupção por meio da eliminação ou, ao menos, redução drástica de agentes públicos abrigados pelo foro privilegiado; do restabelecimento da prisão após condenação em segunda instância; de mudanças legislativas para tornar imprescritíveis crimes contra a administração pública (peculato, corrupção, improbidade e formação de organização criminosa), para impedir que políticos respondendo a processo criminal não possam se candidatar até a sentença final, e para proibir que irmãos, esposas, maridos, filhos e pais possam figurar como vices ou suplentes nas chapas encabeçadas por seus parentes.
O Brasil também exige dos candidatos o compromisso de redução das desigualdades regionais e sociais, o que passa pela revisão total e imediata de todas as renúncias fiscais de tributos federais que não contribuam para esse fim. É preciso estabelecer que novas renúncias fiscais somente serão concedidas em caráter temporário, de forma regressiva ao longo do período de vigência, submetidas à auditoria periódica, e restritas aos tributos e contribuições federais (Cofins, CSLL etc), de forma a não impactar as receitas de estados e municípios, que têm participação nos impostos federais (IPI e IR). Da mesma forma, necessário tornar obrigatória a correção anual das tabelas do Imposto de Renda Pessoa Física pelo IPCA.
A nação necessita de um líder comprometido em fazer imediata e drástica redução nas renúncias fiscais, fixando-as no patamar máximo de 2% do PIB (cerca de 180 bilhões/ano) e enxugamento da máquina pública porque a despesa com esse setor não cabe mais no PIB nacional. Tais despesas precisam reduzidas ao nível máximo de 10% do PIB, o que geraria economia de R$ 300 a R$ 330 bilhões/ano.
Essa receita, somada aos R$ 80 a R$ 120 bilhões possíveis de serem economizados com o combate sério à corrupção, além de mais R$ 190 a R$ 210 bilhões obtidos com a redução da farra de privilégios e renúncias fiscais, o Brasil reforçaria seus cofres em R$ 570 a R$ 660 bilhões anuais. Seriam recursos suficientes para duplicar o SUS (R$ 120 bilhões/ano); aumentar em 30% a remuneração dos professores da rede pública de ensino fundamental (R$ 50 bilhões/ano), construir 500 mil unidades habitacionais por ano (R$ 80 bilhões/ano) para doação à população mais carente; dobrar o contingente da Polícia Federal para aprimorar a atuação nas fronteiras, portos e aeroportos (R$ 30 bilhões/ano); reforçar o contingente das Forças Armadas para atuação nas fronteiras secas, fluviais e marítimas (R$ 30 bilhões/ano); financiar obras de infraestrutura nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as mais pobres do País (R$ 60 bilhões/ano); e aumentar o combate – físico e remoto – ao desmatamento e desflorestamento da Amazônia (R$ 30 bilhões/ano). Seria possível, portanto, mudar o País, gerando também milhares de empregos, e melhorando significativamente a qualidade de vida dos brasileiros sem aumentar impostos e sem remanejar recursos de outras áreas.
Tudo depende, entretanto, de atacar as origens dos principais problemas que impedem o Brasil de retomar o rumo do desenvolvimento. E isso envolve, necessariamente, a elaboração de um plano de metas para nortear as ações estratégicas ao longo dos próximos anos. Com o desajuste da economia mundial, situação agravada pela guerra na Ucrânia, essa é uma necessidade ainda mais premente. E isso vale também para os governos estaduais, muitas vezes acostumados a creditar a culpa das mazelas locais ao governo federal enquanto incham a máquina pública, fazem vista grossa às práticas corruptas e concedem renúncias fiscais ilegítimas.
Lamentavelmente, essa mudança de comportamento para apresentação de propostas estruturais não está na agenda dos pré-candidatos, mais preocupados em conquistar os votos com promessas genéricas, recheio de um discurso fácil, porém pouco profundo. O Brasil não suporta mais improvisos e reclama soluções definitivas. Sem isso, continuará a perder o bonde da história, somando novas décadas desperdiçadas.
Sobte o autor
Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). É autor do livro “Brasil, um país à deriva”.
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