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Coluna “Histórias Frescas”: Democracia e Progresso -relações, problemas e naturalizações imprecisas, por Breno Vinícius

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Por Breno Vinícius Marques dos Reis Publicado em 30/10/2019, 10:01 - Atualizado em 30/10/2019, 10:01
Breno Vinícius é historiador pela UFOP, ouro-pretano e um entusiasta das adversidades humanas. Siga no Google News

Vivemos em um momento interessante no Brasil. A política a um tempo vem se tornando tema de conversas informais entre as pessoas nas esquinas, nos bares, na conversa de família, na internet. Além disso esse tom político das conversas sempre se associa à aspiração pelo progresso, progresso esse que virá, como muitos acreditam, pela superação da corrupção e pela competência na administração pública.

Seja onde for o brasileiro têm tocado mais no assunto da política do país. É claro que esse interesse pelo assunto muitas das vezes não coincide com a qualidade da conversa. Apesar da política estar figurando nos assuntos do dia-dia das pessoas, ela ainda é tratada muitas vezes com uma alta dose de simplificações nocivas. Sejam essas simplificações para o lado dos que dizem “ah esses políticos são todos ladrões e com o voto não vamos mudar nada” ou simplificações dos que dizem que um mito, um herói, ou algo do tipo vai resolver todos os problemas do Brasil.

A problemática que estou propondo aqui surgiu em uma disciplina que fiz na graduação sobre povos indígenas. No trabalho final dessa disciplina ao estudar de forma mais aprofundada um povo nativo da América do Norte (os navajos) vi a trajetória desse povo (deslocamentos, expulsões de suas terras, etc) em paralelo com o momento político e econômico estadunidense (o fortalecimento da democracia, a industrialização, a explosão econômica do país a partir do início do século XX, o enorme ganho de influência internacional, etc). O incômodo que me surgiu se dá no sentido de como a dita “maior democracia liberal do mundo” teve que suprimir muitas vozes em seu processo histórico “democrático” em busca do “progresso”[1].

Trago essa matriz de pensamento para o momento atual do Brasil. Como disse antes, as pessoas têm se interessado mais por política na busca pelo progresso. Porém, como podemos perceber, o progresso não é algo estático e universal como geralmente costumamos pensar.

Dentro das democracias liberais, sobretudo na estadunidense, e na sensação política que se vive no Brasil, o que têm se perpetuado como pensamento de certos grupos é que o progresso que é bom para mim é bom para todo mundo, o que é bom para mim é bom para todo mundo. E isso é algo que não se sustenta.

A condição de cidadania nas democracias liberais foi um passo importante na história humana, mas temos que reconhecer alguns limites, pois irradiam a ideia de que “todos somos iguais” o que pode soar como um problema para alguns grupos, sobretudo grupos indígenas, grupos periféricos da sociedade, etc.

Ser considerado igual numa democracia liberal quando se teve um processo histórico marcado pela opressão, pela violência simbólica e do corpo, pelo preconceito, pode ser um transtorno quando essas dívidas históricas ainda não foram pagas e a injustiça social está entranhada nessa sociedade. Vemos como exemplo a questão das cotas raciais muito criticadas por alguns grupos, inclusive por um vereador negro da cidade de São Paulo.

Para essas pessoas todos nós somos iguais, em condições e oportunidades, o que não confere com a real situação das pessoas. Você já deve ter sido perguntado sobre quantos médicos negros já te atenderam e não ter lembrado de nenhum, não é?

O jogo político é complexo assim como a sociedade a qual ele representa. Há diversos interesses de diversos grupos em tensão a todo momento, e é claro, os interesses de alguns grupos sempre prevalecem sobre outros, por mais que esses outros sejam maiorias injustiçadas. 

O que não podemos naturalizar é essa impressão que tentam nos passar de que o progresso é único e bom para todos, pois são poucos os grupos envolvidos nas decisões sobre “qual progresso” temos que perseguir.  O discurso liberal atual acaba por acobertar a causa dos problemas e direcionar a responsabilidade para o indivíduo. Diante disso vamos nos esforçar para compor o debate, vamos trazer outros olhares, outras visões de progresso, não um progresso estático, já dado, mas um progresso líquido, construído dia-dia e que inclua mais grupos nele.


[1] Durante os séculos XIX e boa parte do XX o progresso esteve ligado diretamente a uma ideia de aperfeiçoamento da técnica, transformação da natureza e da associação com ideais civilizatórios, o que incluía a superação de modos de vida indígenas por exemplo. Essa idealização por trás do progresso ressoa até hoje, porém ganhou elementos constitutivos importantes como a sustentabilidade, maior alteridade, respeito às diferenças, etc, algo que harmoniza muitas das vezes com ideias e práticas indígenas.

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