Por Moacir Lemos Moacir Lemos é Bacharel em Direito, Investigador de Polícia, qualificado em instrução de trânsito e inteligência policial. Ao elaborar para o leitor o conteúdo desta coluna visei alcançar o meio mais informal possível de tratar os assuntos que por vezes aparecem em termos técnicos e dificulta o entendimento de todos. Buscaremos assim a essência da lei e os erros que ocorrem em sua interpretação para que o leitor possa fazer melhor uso de seus direitos e deveres. Hoje trataremos da concepção de ‘domicilio’, quando o ingresso em sua casa será legal e quando será abusivo. Estendendo o tema a exemplificar os locais que a jurisprudência equipara a casa e entendermos quando haverá o crime da sua violação. Domicílio, nessa perspectiva, é o interior de residência habitada, local de morada de alguém. Sendo preservado para tais locais a intimidade. Assim sendo, para que a policia realize seus trabalhos em local definido como domicílio requer-se um rigor maior do que aquele exigido para locais públicos, busca pessoal e em veículos em circulação. Como o intuito é mostrar ao leitor os direitos que ele desconhece e esclarecer as hipóteses em que é legitima a ação policial, vamos ao primeiro objetivo demonstrando que a concepção de casa não se restringe apenas àquela morada efetiva, mas engloba também locais de habitação temporária como um simples quarto de hotel, motel e de habitação coletiva ocupada. Há julgado no Brasil reconhecendo invasão de domicílio inclusive para local que não excedia dois metros quadrados fechado apenas por papelão e garrafas plásticas embaixo de um viaduto onde um mendigo dormia cotidianamente, afinal ali não deixava de ser morada que reclama intimidade. Veículos, no entanto, não são abrangidos, exceto se tratar-se de um real trailer que seria uma “casa móvel”. Nem mesmo cabines de caminhões que apresentam camas se enquadram. Áreas privadas de trabalho também gozam da mesma proteção, como, por exemplo, escritórios. Para se valer dessa proteção da intimidade o local não pode ser aberto ao público. Em locais de circulação livre ao público a fiscalização independe de mandado judicial, como bares, boates, lojas, restaurantes. Excetuando o espaço dentro desses estabelecimentos que se der a finalidade mais privada, como uma grande loja que pode ter aos fundos um escritório para o gerente. Essa sala não é aberta ao público, portanto, nela, os agentes da autoridade policial só podem ingressar nas cinco hipóteses que traremos a seguir. No segundo enfoque, observa-se que o direito a intimidade em seu domicílio não é um direito absoluto, ou seja, admite exceções. Assim como também não são outros direitos tidos como tais pela população, a exemplo do próprio direito à vida. Existem exceções até mesmo ao direito à vida no Brasil como o caso de pena de morte em tempos de guerra, nos casos de aborto para salvar a gestante ou de ser a gravidez fruto de estupro. Não sendo absoluta, a privacidade no domicílio pode ser afastada em cinco hipóteses: no caso de flagrante delito, desastre, para prestar socorro, perante mandado judicial e mediante autorização de um morador. 1)No caso de flagrante delito: A constituição não limita a tratar-se de crimes de grande significância, bastando a configuração de um delito de menor potencial para legitimar o ingresso da policia na residência, a exemplo um simples desacato feito por alguém de dentro da casa ou que para lá se dirigiu após fazê-lo. Outro exemplo seria apenas o policial ouvir uma simples discussão por um casal dentro de casa quando são proferidas ofensas. Em tese tendo ocorrido o crime de injuria, por exemplo, na recusa dos autores em abrir as portas, a entrada poderia ser forçada. No entanto no dia a dia a policia, por bom senso, opta por não fazê-lo visto que seria desproporcional ofender a intimidade do casal para trazer-lhes justiça por um fato que provavelmente relevem, assim sendo a entrada forçada traria mais constrangimento a própria vítima do que o delito que a justificou. Como segundo ponto destaco que não precisa ser a morada do infrator. Um criminoso pode ingressar em sua casa em fuga, quando será absolutamente legal a entrada dos policiais mesmo sem seu consentimento para prendê-lo. 2) e 3)Em caso de desastre e para prestar socorro vê-se que preza-se mais pela segurança daqueles que mantém-se no interior do imóvel do que a intimidade. Ocorre que quando há conflito entre direitos, aqueles de menor importância acabam vencidos pelos de maior significância. No caso de preservação da vida versus preservação da intimidade, esta última sempre será afastada. Antes de continuarmos a analisar as outras duas hipóteses importa esclarecer que para configurar a violação de domicílio não basta apenas ausência dos requisitos aqui demonstrados, mas necessita-se da efetiva consciência de que não o faz nessas condições. Podemos esclarecer com fato também já objeto de julgado: vizinhos ouviram o que parecia serem gritos de uma criança e sabiam ter o casal que ali morava, juntamente com o filho recém nascido, saído horas antes. Imaginando ter a criança sido deixada sozinha na casa, acionaram a polícia que, no local, também ouviu o que parecia serem gritos e choro. Após baterem à porta e não serem atendidos, a arrombaram e em seguida verificaram tratar-se do choro de um cão. Nesse caso não há o crime de violação de domicilio vez que os agentes foram ludibriados pelas circunstâncias e imaginaram estarem em uma atuação legítima. O mesmo ocorreria se os próprios vizinhos o tivessem feito. 4)Quanto ao cumprimento de mandado judicial vale a pena enfatizar que devem ser iniciados somente durante dia. Sendo ilegal o começo dos trabalhos à noite, no entanto permitido que se estenda durante ela desde que tenha começado durante o dia. As mais recentes decisões judiciais entendem não existir a violação para a área externa de propriedades, a exemplo não há o crime quando o agente da autoridade policial ingressa na extensão territorial de uma fazenda, existindo a intimidade a ser violada somente no interior da casa localizada na propriedade e não em toda a extensão de terra. 5)Não carece de grande atenção dizer que com o consentimento do morador a entrada de qualquer outra pessoa é legítima. Porém é importante falar da autorização tácita, ou seja, autorização aparente, deduzida. Estando portões ou portas contíguas totalmente abertas podem afastar a invasão, quando presumisse que o morador abriu mão de intimidade naquele espaço e permitiu a entrada até dado ponto. Vamos tratar novamente com um exemplo a fim de não deixar dúvidas: suponha-se que a residência seja composta por um grande corredor de entrada, o qual é limitado por uma porta em seu inicio e uma em seu fim, sendo esta última o acesso ao primeiro cômodo da casa. O corredor pode perfeitamente compor esfera da privacidade, no entanto se o morador opta pela prática de deixar a primeira porta sempre aberta a fim de permitir que quem deseje chamar-lhe bata a porta mais interna, presume-se que qualquer pessoa está, a princípio e em tese, autorizada a ali entrar com esse intuito até o momento em que o morador requeira que se retire. Assim sendo, se o leitor mesmo que não com essa intenção deixa o portão de sua casa totalmente aberto e alguém ingressa em sua propriedade basta exigir sua retirada, após isso restará demonstrado que, embora a primeira vista a entrada deixada aberta permita o ingresso, o esclarecimento do morador afasta a legitimidade de ali permanecer. Assegurando o objetivo de alcançar o perfeito esclarecimento do leitor quanto às dúvidas recorrentes sobre os temas tratados nesta coluna, perguntas podem ser encaminhadas através do facebook, Moacir Lemos. Sendo as respostas encaminhadas também por e-mail e uma das perguntas selecionada para ser publicada na próxima edição com a respectiva referência do leitor do Jornal Voz Ativa.
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