Invasão de terras indígenas aumentou 44% em 2019 Crescem também os assassinatos.

Em 2018 foram 135 e em 2019 já passam de 80, segundo o Conselho Indigenista Missionário.

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Por Tino Ansaloni Publicado em 28/09/2019, 18:21 - Atualizado em 28/09/2019, 19:17
Foto – Empreendimentos estariam colocando sob ameaça mais de 40 comunidades tradicionais do Norte de Minas, segundo informações prestadas na reunião – Crédito – Sarah Torres Siga no Google News

As invasões de terras indígenas no Brasil saltaram de 111 casos, em 2018, para 160 só nos primeiros sete meses de 2019, um aumento de 44%. Em 2018, 135 indígenas foram assassinados no País. No primeiro semestre de 2019, foram registradas mais de 80 mortes.

Os dados são do Cimi, o Conselho Indigenista Missionário, divulgados nesta quinta-feira (26/9/19), durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião teve por objetivo debater o tema Direitos Humanos Territoriais e Povos e Comunidades Tradicionais.

Indígenas, quilombolas, geraizeiros, veredeiros, pescadores artesanais e representantes de comunidades de atingidos por barragens, entre outros povos tradicionais ameaçados, lotaram o auditório da Unimontes, a Universidade Estadual de Minas Gerais, em Montes Claros (Norte do Estado), onde foi realizada a reunião. A audiência integrou o VI Colóquio Internacional de Povos e Comunidades Tradicionais, cujo tema é “Direitos e Bem Viver”.

No Norte de Minas, mais de 40 comunidades tradicionais estão ameaçadas pela grilagem de terras, pela exploração da monocultura do eucalipto, pelas barragens e outros grandes empreendimentos, segundo denunciou no encontro a presidenta da comissão, deputada Leninha (PT).

Entre essas comunidades estão os quilombolas de Lapinha, em Matias Cardoso, em conflito com latifundiários, e os geraizeiros de Riacho dos Machados, que se queixam da mineradora Bio Gold, empresa canadense que atua na região. Para a deputada Leninha (à esquerda), o tom agressivo do governo tem incentivado a violência contra povos originários - Foto: Sarah Torres

Leninha criticou também a licença prévia concedida pelo governo de Minas para o funcionamento da mineração Sul Americana de Metais S/A (SAM), empresa de Hong Kong que tenta viabilizar a exploração de minério de ferro na região de Grão Mogol e Padre Carvalho e que atinge uma série de comunidades tradicionais.

“Caso o projeto seja aprovado, a população que já convive com o racionamento de água nos períodos de seca enfrentará uma série de outras violações de direitos humanos, ambientais e constitucionais, com impactos agressivos sobre toda bacia do Rio Jequitinhonha e do Rio Pardo”, previu. “É um genocídio socioambiental, que destrói nosso território, nossa diversidade humana e nossa memória”, disse a deputada.

“Não é exagero falar que o Brasil de 2019 está bem próximo do Brasil de 1500. Vivemos sob um governo genocida que nunca escondeu sua intenção de tirar territórios dos povos indígenas e tradicionais. A agressividade no discurso do presidente da República tem servido de combustível para a violência cometida contra os territórios e os povos originários. O resultado é o aumento de invasões e mortes Brasil afora”, criticou a parlamentar.

Ela ainda lembrou que "para fazer frente a todas essas violações” foi lançada, em abril, a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas, Quilombolas e Demais Comunidades Tradicionais.

A parlamentar anunciou que na próxima quinta-feira (7/10/19), está marcada uma reunião na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) para cobrar do governo Zema a implementação da Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.

A resistência e a unificação dos povos tradicionais foram pontos defendidos na audiência

A resistência e a unificação dos povos tradicionais foram pontos defendidos na audiência - Foto: Sarah Torres

Para os pobres, pena de morte já foi institucionalizada

A deputada Andréia de Jesus (Psol), vice-presidenta da comissão, defendeu a unificação das lutas de todas as comunidades ameaçadas e lamentou o tratamento dispensado pelo poder público às populações mais pobres, no campo e na cidade.

Segundo ela, em alguns estados, como o Rio de Janeiro, onde recentemente foi morta com um tiro de fuzil uma menina de oito anos, durante operação policial, “a pena de morte já foi institucionalizada”.

“Em Minas, a nossa luta é contra as mineradoras, que tomam as terras das comunidades tradicionais que protegem o meio ambiente e são criminalizadas; roubam as terras, os rios, as matas e os sonhos das pessoas”. Denunciando as mineradoras, “que transformaram Brumadinho e Mariana num velório constante”, Andréia de Jesus defendeu “a unificação dos povos tradicionais, pelo direito à terra, à moradia e ao trabalho”.

Foi nesta mesma linha a fala do procurador da República em Goiás, do Ministério Público Federal, Wilson Rocha Fernandes Assis, que é também representante do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais.

"Vivemos em uma sociedade totalitária, de modelo único, imposto de forma massiva, e nós somos os que estão além da cerca, do muro. O nosso inimigo é um modelo de civilização que está dando errado todo dia, como deu errado esta semana no discurso do presidente na ONU. Quem não sentiu vergonha daquilo?”, indagou, sob aplausos da plateia, referindo-se à participação do representante brasileiro na abertura da Conferência Nacional das Nações Unidas.

Minas está entre os estados com maior número de comunidades quilombolas

Em todo o Brasil existem, hoje, seis mil comunidades quilombolas e Minas Gerais figura, ao lado da Bahia e do Maranhão, entre os estados que detêm o maior número, segundo informou a representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil, Maria Rosalina dos Santos, lembrando que esses grupos contam, inclusive, com o apoio da Frente Parlamentar Quilombola no Congresso Nacional.

O procurador de Justiça de Conflitos Agrários, Afonso Henrique de Miranda Teixeira, considerou a importância de a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia se deslocar até as áreas conflituosas. “É vital para estabelecer a resistência”, disse, acrescentando que só na luta e na unidade as comunidades conseguem garantir direitos. Ele teceu críticas à criminalização de lideranças e defensores da terra por parte de segmentos do governo e do Judiciário.

O indígena Hilário Xakriabá, integrante da Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais e Representante da Articulação Rosalino dos Povos e Comunidades Tradicionais conclamou os jovens à luta e defendeu a necessidade de se denunciar as violações dos direitos dos povos tradicionais inclusive no exterior. “Estamos em tempos sombrios, precisamos levar nosso grito e nossa voz até outros países”, disse.

O pequeno produtor rural Marino d’Ângelo Júnior, atingido pela barragem de Fundão de Mariana, em 2015, emocionou-se e comoveu a plateia ao relatar as perdas sofridas quando do rompimento da barragem de Fundão, narrando o isolamento e o retrocesso econômico que o atingiu, com reflexos sobre a sua saúde. “Doença mental na região, hoje, é epidemia. Perdemos nossa história, nossa raiz, vivemos uma vida imposta”.

A reunião contou com a presença de representantes do Centro de Referência em Direitos Humanos do Norte de Minas Gerais; Movimento Geraizeiro – Guardiães do Cerrado; Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais; Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais; Movimento Veredeiros – Guardião das Águas; e Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

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