Opinião: “Descaso pela saúde do povo no Brasil e em Mariana”, por Yuri Gomes

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Por Yuri Gomes Publicado em 22/04/2020, 10:32 - Atualizado em 22/04/2020, 10:32
Yuri Gome é, professor, redator do boletim “Operários EM MOVIMENTO” e militante do PSTU/Mariana. Crédito – Arquivo pessoal. Siga no Google News

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Jornal Voz Ativa.

No momento em que escrevo essa coluna, 20 de abril, nossa cidade de Mariana tem 12 casos confirmados, 1 óbito e 320 casos em monitoramento por Covid-19 [1]. Números alarmantes para uma cidade de pouco mais de 60 mil habitantes, ainda mais considerando que, a nível nacional, não estamos nem perto do pico de contaminação e há uma brutal subnotificação.

Essa pandemia desnuda uma série de questões importantes para nós trabalhadores/as. Entre elas, como a sociedade capitalista funciona no embate entre o direito ao isolamento social, à vida de nossa classe, contra o direito à exploração de nossa força de trabalho pelas grandes empresas. E, combinado a isso, o projeto público dos diferentes governos, nos diversos níveis e mandatos, de precarização da saúde pública em nosso país, estados e cidades – e é sobre isso que tratarei hoje.

Conjuntura nacional

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma conquista do nosso povo, mas como em outras áreas de interesse popular, vem sendo progressivamente sendo dilapidado para alimentar os bolsos gordos dos banqueiros e grandes empresários, a partir da dívida pública, isenções e abonos.

Para dar uma referência sobre isso, em 2018 o número de ações de investimentos do Ministério da Saúde caiu progressivamente até quase 50% comparado com 2012 [2], enquanto a renúncia fiscal no mesmo período, também chamado de “Bolsa Patrão”, que são isenções de impostos à grandes empresas, subiu 95%, chegando à 350 bilhões a dois anos atrás [3]. Só para você ter noção do que representa esse valor, o “Auxílio Emergencial” que será repassado às famílias no período da pandemia tem um custo de em torno de 33 bilhões aos cofres públicos [4], menos de 10% do que é abonado dos megaempresários.

Esse é só um exemplo de como, com a crise econômica, o Fundo Público vem sendo parasitado pelas grandes empresas, comprometendo os serviços essenciais, e a que serve ao povo trabalhador. Poderia apresentar outros variados denominadores, como o crescimento absurdo da Dívida Pública, que vão no mesmo caminho: a Saúde Pública, tão reverenciada em nosso triste contexto, vem sendo envenenada a anos. E Bolsonaro com sua política de “deixa morrer” aos pobres, aprofunda muito mais esse cenário.

Situação de Mariana

Coloco a lupa agora para Mariana. São as prefeituras que administram o SUS nas cidades e tem o poder jurídico sobre as ações de isolamento social e contenção do crescimento da curva de contaminação.

A pergunta geradora é: estamos cuidando bem da área de saúde em nosso município? Vamos aos dados.

Primeiro apresentamos esse gráfico bastante explicativo. Em relação à Receita Total Anual, declarada no site da transparência da Prefeitura, o ano passado, 2019, teve o menor percentual de investimentos desde 2014, tendo uma queda absoluta de 3 milhões no ano passado em relação à 2018 [5].

A queda no investimento e má gestão resultaram em situações muito conhecidas pelos marianenses: a Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro Cabanas coberto por lonas e com vazamentos, além das obras paralisadas do UBS do Rosário, e a mais absurda, o esqueleto da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no bairro São Pedro. Isso para dar alguns exemplos, já que qualquer um que questionar a população conhecerá mais mil casos.

E ainda impressiona não termos um hospital público na cidade. Dependemos hoje de um hospital privado, de caráter filantrópico, que tem como objetivo equilibrar recursos, de forma financeiramente viável, em uma relação público-privado.

E sobre os profissionais de saúde? Como vem sendo o tratamento desses trabalhadores/as à frente do combate à Covid-19, se expondo em defesa da vida de sua classe?

Outro tema pouco abordado até então foi o tão divulgado Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV) consolidado no início desse ano. Apesar de toda pompa de sua apresentação, causou danos importantes a esses profissionais.

Em relação aos médicos especialistas, foi limitada a carga horária de 10 horas semanais, fixando a aposentadoria desse setor a essa carga, causando perda de até metade das pensões, além do fim do descanso semanal remunerado, redução do salário em até 20%, enquadrando todos, independente do “tempo de casa”, no nível I.

Além disso, foi definido a contratação de profissionais dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF), podendo ser por processo seletivo simplificado, sendo um risco de fragilizar a continuidade do trabalho de apoio destas equipes à Estratégia de Saúde da Família (ESF), eximindo a prefeitura de contar com estes profissionais de forma permanente em seu quadro [6].

O que ocorreu de fato é que para todos os servidores municipais houve um alinhamento geral, só que para baixo. Apesar de todo falatório político quanto à heroicidade dos profissionais da saúde no front da pandemia, a saúde, desde as estruturas às mulheres e homens que vem se arriscando, não vinham sendo valorizados através das políticas públicas.

Saídas

Se mostra, mais que nunca a falência do projeto político dos velhos coronéis e seus pupilos, nas obras inacabadas, na decadência da saúde em época de epidemia sem nem mesmo um hospital público.

Precisamos colocar os serviços essenciais em primeiro plano. Não é apenas com palmas que homenagearemos os profissionais da saúde, mas com ações. E essas ações devem garantir mais investimentos nessas áreas, melhores estruturas e equipamentos, condições de trabalho, remuneração, gestão democrática e popular para atuar. É preciso iniciar a construção de um hospital público na cidade já!

E também reduzir a demanda, ampliando o isolamento social – com garantia de remuneração integral e estabilidade no emprego para os assalariados, e renda complementar aos pequenos empresários e autônomos –, distribuição de equipamentos de segurança para a população, e fortes campanhas de conscientização e assistência social para a população de baixa renda ter acesso aos seus direitos.

Recursos para melhorar o que temos hoje há. É inquestionável. Mas para mudar, qualitativamente, vamos precisar de mais. Para isso é preciso derrubar essa elite política e colocar o povo para governar, reduzir salário de políticos, acabar com cargos comissionados, auditar as contas públicas, e parar de ficar de joelhos para as grandes mineradoras. Estamos no momento de levantar a cabeça e nos organizarmos. Para que? Uma revolução.

* Gostaria de agradecer ao apoio de dois companheiros da área de saúde em Mariana que foram fundamentais na construção dessa coluna.

[1] http://mariana.mg.gov.br/noticia/5902/boletim-informativo-coronavirus

[2] http://radarbrasil.fiesp.com.br/saude-do-governo-federal-relatorio-completo

[3] https://monitormercantil.com.br/a-curiosa-falta-de-curiosidade

[4] https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2020/04/13/auxilio-emergencial-de-r-600-pode-ter-custo-maior-que-o-previsto.ghtml

[5] É importante apresentar referente à receita, para não cair na ladainha política de que a arrecadação do município vem caindo. Na realidade, a arrecadação, mesmo com a mineração tendo uma série de minas paralisadas, continua crescendo na cidade, inclusive sendo uma das cidades mineiras com maior Receita Tributária Per Capita. Para mais informações acesse: https://meumunicipio.org.br/indicadores-municipio/3140001-Mariana-MG?exercicio=2017

[6] http://mariana.mg.gov.br/uploads/prefeitura_mariana_2018/diario_oficial_pmm/o_monumento_n_1196_12-12-2019.pdf

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