Programa de Liberdade e Assistência ao Encarcerado devolve a dignidade aos detentos em Ouro Preto-MG

Um dos pilares dos pilares do PROLAE é recuperar e reintegrar os apenados, priorizando a valorização do detento e sua reinserção na sociedade, objetivando gerar humanização dentro do sistema penitenciário.

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Por João Paulo Silva Publicado em 30/08/2019, 13:02 - Atualizado em 30/08/2019, 14:14
Foto- Representantes políticos e juristas dão respaldo a todas as ações do PROLAE. Crédito-Divulgação. Siga no Google News

“Quase sem tocar o corpo, a guilhotina suprime a vida, tal como a prisão suprime a liberdade, ou uma multa tira os bens. Ela aplica a lei não tanto a um corpo real e susceptível de dor quanto a um sujeito jurídico, detentor, entre outros direitos, do de existir”.

O trecho acima, está presente na obra “Vigiar e Punir – o nascimento da prisão”, do filósofo francês Michel Foucault. O livro, publicado em 1975, é uma genealogia da alma e do corpo nos campos político, judicial e científico, especialmente em relação à punição.

Ler Foucault pode ser uma alternativa coerente em um país como o Brasil, onde o sistema prisional não resolve o problema do crime, mas cria ainda mais crime. Mas talvez as ações com foco na ressocialização do indivíduo encarcerado sejam capazes de surtir mais efeito do que o estudo de qualquer filosofia, por mais sofisticada que ela seja.

O Programa Liberdade e Assistência ao Encarcerado (PROLAE), implantado em janeiro de 2017 no Presídio de Ouro Preto (MG), consiste em uma série de ações voltadas aos cidadãos que passam pela privação de liberdade e tem como atividade principal defender e proteger os direitos e interesses do encarcerado, bem como da sociedade visando proporcionar condições harmônicas para reintegrá-lo e evitar a reincidência no crime.

Finalidade

Presidente do PROLAE gestão 2018/2021, o advogado Yuri Borges Assunção, também conhecido como Yuri da Bauxita, explica que “a finalidade do Programa Liberdade e Assistência ao Encarcerado é de recuperar e reintegrar os apenados, priorizando a valorização do homem e sua reinserção na sociedade, objetivando gerar humanização dentro do sistema penitenciário”.  

“Com capacidade para beneficiar 40 reeducandos, 36 homens e 04 mulheres que se encontram no regime semiaberto de cumprimento de pena, fazendo com que diminua cada vez mais a reincidência do crime por meio de uma filosofia de resgate do humano intrínseco ao criminoso”.

Além disso, como ressaltou o diretor da instituição, são objetivos específicos do PROLAE, dentre outros: Desenvolver ações visando a melhoria da qualidade de vida do encarcerado; propiciar condições mínimas para que ele possa cumprir com seus deveres e obrigações; gerar a humanização da prisão, sem deixar de respaldar a finalidade punitiva da pena; promover o efetivo respeito aos direitos do   preso previstos no artigo 41, Lei n.  7210/84; promover a assistência ao trabalho do Encarcerado; assistir ao Egresso do Encarcerado; promover a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social, religiosa ao Condenado; trabalhar em parceria com entidades públicas, privadas e filantrópicas.

Valorização humana

Em um contexto político social em que o país muitas vezes já assistiu rebeliões fervilharem em todo o seu território, o PROLAE tem como base a valorização humana do indivíduo encarcerado.

Todo o trabalho do PROLAE é dirigido para reformular a autoimagem da   pessoa que errou. “Por meio do trabalho e do estudo, almeja-se a reinserção do recuperando na sociedade. Além disso, é necessário melhorar as condições físicas do alojamento, para que eles mesmos se sintam valorizados”, pontua o advogado.

A valorização humana ao encarcerado é amparada por importantes pilares. Assistência educacional, ao trabalho, ao esporte, material, jurídica, espiritual e à saúde fazem parte deste sistema que hoje, transforma milhares de encarcerados em novos seres humanos.

“São estratégias úteis à ressocialização os vínculos familiares, afetivos e sociais, a educação (o estudo), a religião e o trabalho, que lhe   facilite   o   acesso aos meios capazes de permitir-lhe o retorno à sociedade em condições de convivência normal sem trauma ou sequelas do sistema”.

Atividades desenvolvidas

A equipe de redação do Jornal Voz Ativa teve acesso ao relatório do Programa Liberdade e Assistência ao Encarcerado -  PROLAE. Abaixo, citamos algumas das atividades desenvolvidas pelo programa:

Disponibilizar aulas de ensino básico para todos (as) reeducandos (as) do    PROLAE que não possuem Ensino Fundamental e Médio comprovados em histórico s escolares;

Assegurar, com o apoio de grupos religiosos diversos, o respeito à liberdade de culto, garantindo a prestação de assistência religiosa, desde que pautada pela ética, levando à transformação moral do recuperando;

Garantir o acompanhamento jurídico do processo de execução de pena, desde a entrada até a saída do programa.  Mantendo os reeducandos    informados e requerendo os benefícios concedidos na Lei de Execução Penal;

Prestar acompanhamento psicológico permanente aos reeducandos.  Serão oferecidas as assistências médica, odontológica e outras de modo humano e eficiente, através do trabalho voluntário de profissionais dedicados à causa e convênios com a administração pública;

Melhorar as condições físicas do alojamento, disponibilizando condições   que   propiciem dignidade aos recuperando, para que estes se sintam valorizados;

Melhorar a infraestrutura do PROLAE, criando espaços para práticas de   lazer e esporte; cultivo de hortas e criação de animais;

Desenvolver oficinas de formação profissional, ofertando cursos de   construção civil, informática, elétrica, barbearia, entre outras práticas, com objetivo de facilitar o retorno do recuperando à sociedade, com geração de emprego e renda;

Articular com o poder público, associações privadas sem fins lucrativos e sociedade os meios que favoreçam a inserção do recuperando no mundo    do trabalho e em programas de capacitação para o trabalho e geração de renda.

Criar um estabelecimento industrial na planta do PROLAE, uma fábrica de blocos, onde   se transformam as matérias-primas (água, areia, pedriscos, pó de pedra, cimento) em tijolos, ou seja, um produto destinado ao uso na construção civil.  Os blocos serão feitos diariamente pelos recuperando, que passarão por uma capacitação de mão de obra.  A renda gerada com as vendas dos blocos será utilizada para remuneração dos recuperando e para investimento no programa, de forma que em alguns anos se torne independente financeiramente.

Crise do Sistema Prisional Brasileiro

Para Yuri Borges Assunção, “devido à crise que se encontra o Sistema Prisional Brasileiro nos dias atuais, percebe-se que apesar do tempo e das diversas leis existentes, a pena privativa de liberdade no Brasil continua não alcançando os objetivos propostos”.

“A Lei de Execução Penal Brasileira (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984), mesmo sendo uma    das mais completas existentes no mundo, infelizmente não é colocada em prática no país. O Estado prefere tratar as penas, apenas como um meio de castigar o indivíduo pelo delito realizado”, esclarece.

A Lei de Execução Penal em seu artigo 1º dispõe: “A execução   penal   tem   por   objetivo   efetivar   as   disposições   de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

“Levando em consideração o disposto neste artigo, nota -se que a execução penal possui como finalidade, além do efetivo cumprimento da pena, a ressocialização do indivíduo, porém infelizmente quanto a essa última não   tem produzido    os resultados    almejados, ocasionando assim a crise    que se encontra o sistema prisional”, pontua Yuri.

O vereador Geraldo Mendes, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Ouro Preto, é um dos importantes representantes políticos que dá respaldo a todas as ações do PROLAE. “Eu acredito que o PROLAE não deve ser não só defendido como também fortalecido em nossa cidade. O programa foi instituído em 2001 pelo poder judiciário, tendo como fundadora a juíza aposentada Dra. Lúcia de Fátima Magalhães Albuquerque e Silva, tem entre um de seus inúmeros objetivos devolver a dignidade ao apenado em regime semiaberto”.

Mendes ressalta o caos do sistema carcerário brasileiro. “Infelizmente, há muito mais presos do que vagas, para citar apenas um dos inúmeros problemas. Evidentemente, cada caso possui a sua peculiaridade, mas a sociedade precisa compreender que o preso tem o direito a uma segunda chance, a retomar a sua vida e voltar a ter dignidade”.

Estatísticas

Um levantamento nacional de informações penitenciárias, atualizado pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) em 2016 revela dados importantes acerca sistema penitenciário brasileiro. (O levantamento pode ser acessado por meio deste link).

O estudo revela, por exemplo, que os presos, em sua maioria, possuem um baixo nível de escolaridade: 51% não completaram o fundamental, e outros 15% não terminaram o ensino médio.

Ainda de acordo com o estudo, em junho de 2016, a população prisional brasileira ultrapassou, pela primeira vez na história, a marca de 700 mil pessoas privadas de liberdade, o que representa um aumento da ordem de 707% em relação ao total registrado no início da década de 90.

Outro dado alarmante: Segundo o Entopem (Departamento Penitenciário Nacional), em 2016, 563 gestantes estavam presas no Brasil e 1.111 crianças viviam em presídios brasileiros.

Yuri Borges Assunção conclui afirmando que o problema da criminologia no país não é seara apenas dos indivíduos que se preocupam com a questão que também abarca os direitos humanos, mas deve ser uma preocupação da sociedade em geral. “É pacífico entre os estudiosos da criminologia   que é   o crime não é um problema individual, mas também social. Neste sentido, a participação da sociedade na reintegração do preso ao convívio social é um fator essencial para que a ressocialização surta efeitos positivos”.

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