Foto-Praça Tiradentes, Ouro Preto-MG, após festa de momo 2014
Crédito-Tino Ansaloni
Por Valdete Braga
A novela “Jóia Rara” se passa nos anos 30. Está em pleno baile de carnaval. No palco, dois artistas cantam “Juju e balangandã” e em seguida outro canta “Pierrot Apaixonado”. Enquanto isso o público, pessoas fantasiadas e de máscaras, alguns descansam em uma mesa assistindo ao show, e outros dançam (dançam mesmo, no sentido literal do verbo, os rapazes conduzindo e as moças deslizando pelo salão), enquanto caem sobre eles confetes e serpentinas coloridas.
É tudo tão alegre, tão bonito e inocente, que mais parece um sarau literário do que um baile de carnaval. Dói pensar que já foi assim e como é hoje. Anos 30 estão bem longe, mas eu ainda peguei, em minha infância, este tipo de carnaval. Quem for da minha geração há de lembrar. Esperávamos pelo carnaval o ano inteiro, e quando ele chegava eram três dias de festas. As crianças guardavam a fantasia para o “baile infantil” que acontecia no Caem - Centro Acadêmico da Escolas de Minas, na Praça Tiradentes e Clube Aluminas da Rua Direita. Os adultos saíam à noite. Não faltavam serpentinas e confetes, onde estava impregnado o cheiro do carnaval, um cheirinho gostoso de alegria.
Não sou saudosista, mas estas cenas me fizeram voltar no tempo. Agora, enquanto escrevo, uma atriz canta “Máscara Negra” e os foliões dançam em roda. Não é preciso ir aos anos 30 para se lembrar deste carnaval alegre, colorido, onde as pessoas dançavam, brincavam, faziam “a cobra” ou roda, ao som de músicas que eram apropriadas para o carnaval. Muitas das que ouço agora na novela, resistiram por décadas. “Máscara negra”, “Pierrot apaixonado”, “Chiquita bacana” e tantas outras foram por muito tempo verdadeiros hinos carnavalescos.
Não existia “Lepo lepo” mas era tão bom! Tão gostoso! As pessoas se esbarravam e sorriam umas para as outras. Ninguém “partia para a porrada” porque o outro esbarrou nele em uma rua abarrotada de gente. O máximo do abuso eram pessoas presas por brigas, geralmente provocadas pelo alcoolismo. Se acontecia algum crime, era uma comoção. Eu, particularmente, não me lembro de nenhum, nesta época de bailes infantis. Drogas? Bebedeiras por toda parte? Inconcebível, as crianças nem sabiam que isto existia.
A novela se passa no Rio de Janeiro. Se lá o carnaval já foi assim tranquilo (e na época era mesmo, esta parte não é ficção) o que dizer de Ouro Preto, onde praticamente todos se conheciam, o número de moradores era reduzido e não havia carnaval de rua nos moldes de hoje? Carnaval de rua era algumas pessoas fantasiadas, famílias com crianças assistindo o Banjo de Prata e o Zé Pereira dos Lacaios. (Lembro-me de me esconder atrás do meu pai com medo do catitão). Violência? Nem pensar, era época de diversão.
É fato que a realidade era outra, que o mundo mudou muito, que o número de foliões cresceu absurdamente. É fato também que as ruas de Ouro Preto ficavam infinitamente mais vazias, não vinham tantas pessoas para “o melhor carnaval de Minas”, e não havia chamarizes para violência como hoje. É fato, mas não justifica o que se tornou o carnaval em nossa cidade. Desrespeito, violência, ações que até a pouco tempo eram isoladas, crescem a cada ano. Muito já se falou sobre isto, o tema não é nenhuma novidade. Peço desculpas por abordar um assunto já tão debatido, mas acredito que quanto mais falarmos, mostramos, nos indignarmos, mais estaremos ajudando. Este ano não foram um nem dois os casos de abusos e crimes ocorridos no carnaval em nossa cidade, e o mais assustador é que isto cresce a cada ano.
Voltar ao carnaval dos anos 30 é impossível. Mas assistindo ao baile da novela e me lembrando do carnaval da minha infância, permito-me acreditar que se quisermos, podemos melhorar e muito a maneira de nos divertirmos no carnaval.
Que delícia de artigo! Voltei ao carnaval de minha infância lendo. Parabéns a escritora Valdete Braga e ao jornal Voz Ativa.
Obrigado!
Obrigada, Ana!