Antonio Marcelo Jackson Doutor em Ciência Política. Professor da Universidade Federal de Ouro Preto Clique aqui e curta nossa página no facebook Primeiro no telejornalismo local e em sequência para o todo o país, as cenas envolvendo a Polícia Militar do Rio de Janeiro e os professores municipais em greve no último fim de semana nos remetem a algumas reflexões. A primeira delas diz respeito à violência como a ação policial ocorreu e, o que é surpreendente, a fala do comandante Cel. José Luís Castro Menezes quando perguntado sobre o uso da violência na retirada dos professores que ocupavam a Câmara de Vereadores da cidade do Rio: “não houve truculência; a Polícia Militar entrou com seu efetivo; não utilizamos gás de pimenta, não utilizamos bala de borracha. Então achamos que foi uma ação técnica atendendo a uma solicitação do presidente da Casa”. Nesse momento, uma repórter retrucou: “mas as imagens mostram gás de pimenta, mostram certa truculência por parte da polícia”. E o Sr. Comandante respondeu: “mostram o lado de fora, uma tentativa de dificultar a ação da Polícia Militar. Do lado de dentro não tivemos esse tipo de problema”. Pano rápido. Deixe-me ver se entendi. Então quer dizer que no momento em que os professores em greve foram puxados e colocados na altura da porta de entrada da Câmara de Vereadores tudo foi permitido e não foi contabilizado no rol das ações da PM do Rio de Janeiro. Do portal em diante valia gás de pimenta, cassetetes, empurrões, gás lacrimogêneo; já do portal para dentro apenas puxar pelo braço – de forma mais vigorosa, viril, diríamos – os professores. Bacana essa definição. E eu que pensei que já tivesse ouvido e visto de tudo nessa vida. Um segundo aspecto – e não custa lembrar – é que se trata de uma greve de professores que, em tese, ensinaram àqueles soldados o letramento, conhecimentos gerais, conhecimentos de humanidades e de áreas exatas e biológicas. Enfim, talvez no gigantesco inventário que poderíamos fazer aqui esses professores não tenham ensinado àqueles alunos que se transformaram em servidores públicos da área de segurança noções básicas de cidadania, de tratamento distinto entre um deliquente e um trabalhador, ou seja, regras básicas de civilidade. Já vi inúmeras vezes militares e policiais defenderem o formato brutal de suas ações quando enfrentando marginais – e, verdade seja dita, em algumas ocasiões, senão justificadas, ao menos sem grandes alternativas. O que eu ainda não vi foi um militar ou um policial explicando o porquê de um trabalhador ser tratado da mesma maneira. Queria realmente entender a lógica disso tudo. Será que perante um policial ou um militar todos se tornam bandidos? Nesse sentido, li em alguma página na Internet o diálogo verossímil entre uma professora e um policial na noite de 28 de setembro de2013 na Câmara e Vereadores do Rio de Janeiro. Disse a professora, uma senhora de meia idade: “você pode ter sido meu aluno; seu filho pode ser meu aluno”. Segundo o relato, o policial apenas abaixou a cabeça. Por essas e outras fica difícil ter aqui o mesmo sentimento de orgulho que aparece em diversos países quando se trata da segurança pública. Se do lado de lá há uma certeza com pouquíssimas dúvidas de que o militar e/ou policial é o guardião da “res publica” (da “coisa de todos”), do lado de cá a dúvida é a regra, e para um sujeito como eu, às vésperas de completar meio século de vida, a única lembrança que vem é a letra de uma conhecida canção de Chico Buarque escrita em meados da década de 1970, “Acorda, Amor”, e que transcrevo a primeira estrofe: “Acorda, amor/ Eu tive um pesadelo agora/ Sonhei que tinha gente lá fora, batendo no portão/ Que aflição!/ Era dura/ Numa muito escura viatura/ Minha nossa! Santa criatura!/ Chame, chame, chame o ladrão, chame o ladrão!”. Numa época em que a polícia era sinônimo de perseguição, a saída era pedir a providência de um ladrão, na crítica, de viés humorístico, do compositor popular. Por fim, me faço à seguinte pergunta: para lançar gás de pimenta, gás lacrimogêneo, usar cassetetes no corpo de outros, é preciso frequentar bancos escolares? É preciso estudar para fazer isso ou qualquer aspecto educacional deveria ser retirado da carreira de um policial? Sim, a pergunta tem sentido na medida em que os que sofreram as agressões são os mesmos que lecionam para seus algozes. E se sofreram, então não possuem sentido para aqueles que lançaram gás de pimenta. Ao menos eu não costumo bater ou maltratar aquilo ou aquela pessoa que tanto preciso. Claro, claro, alguém sempre irá dizer: “eles estavam cumprindo ordens”. Sim, conheço perfeitamente essa frase. Ela foi dita inúmeras vezes por militares nazistas nos julgamentos após a Segunda Guerra Mundial: eles apenas cumpriam ordens, cansaram de repetir. E se aqui também apenas cumprem ordens, então creio que chegamos ao fundo do poço. Antonio Marcelo Jackson Doutor em Ciência Política. Professor da Universidade Federal de Ouro Preto Clique aqui e curta nossa página no facebook
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