Farmácia é condenada a indenizar atendente trans por ignorar nome social

Indenização foi decidida judicialmente para desestimular a prática; empresa não mudou o nome da funcionária nos registros da empresa

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Por João Paulo Silva Publicado em 16/05/2025, 14:17 - Atualizado em 16/05/2025, 14:18
Imagem ilustrativa. Crédito — Reprodução / Freeík. Siga no Google News

A Justiça do Trabalho em Belo Horizonte determinou que uma rede de farmácias pague R$ 3 mil de indenização a uma atendente trans que teve seu nome social ignorado em diversos sistemas internos da empresa. A decisão é da juíza Solange Barbosa de Castro Amaral, titular da 18ª Vara do Trabalho da capital mineira.

A trabalhadora relatou que, após obter a retificação oficial de seu nome e gênero, comunicou o fato à empregadora no final de 2023, solicitando a atualização em todos os registros da empresa. Ela explicou que chegou a abrir um chamado no sistema interno para formalizar o pedido.

Contudo, a solicitação não foi atendida em um primeiro momento. Após ser transferida para outra unidade da farmácia, a atendente precisou abrir um novo chamado, reiterando o pedido de alteração do nome civil para o nome social. Ela alegou judicialmente que o nome anterior continuou sendo utilizado pela empresa em plataformas como o portal do colaborador, o sistema de benefícios e o registro de ponto, causando-lhe “diversos constrangimentos, cotidianamente”.

Em sua defesa, a farmácia argumentou que “jamais houve negativa ou resistência para alterar os dados funcionais da autora da ação”. A empresa afirmou ter realizado a retificação do nome no crachá funcional e no sistema “workplace” logo após o primeiro chamado, orientando a funcionária a confirmar a alteração nas autoridades competentes. Alegou ainda que o primeiro chamado foi cancelado pela própria atendente e que a ação trabalhista foi iniciada antes da conclusão do segundo chamado.

Decisão Judicial:

Para a juíza Solange Barbosa de Castro Amaral, o desrespeito à identidade da reclamante, enquanto pessoa transgênero, exigiu uma análise sob a perspectiva de gênero, conforme as diretrizes da Recomendação nº 128/2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A magistrada citou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, de aplicação obrigatória no Judiciário, conforme a Resolução nº 492/2023 do CNJ.

Os autos do processo revelaram que a atendente foi contratada pela farmácia em 16 de fevereiro de 2023, utilizando seu nome civil. A sentença que deferiu a alteração de seu nome foi publicada em 14 de novembro de 2023. Antes mesmo da retificação de seus documentos pessoais, a trabalhadora formalizou o pedido de alteração de nome à empregadora em 5 de janeiro de 2024. Em 17 de abril de 2024, ela foi transferida para outra loja da rede.

Ao analisar as conversas de WhatsApp entre a atendente e o técnico de TI da empresa, a juíza constatou que a trabalhadora informou que a alteração do nome ainda não havia sido realizada até aquele momento e que, devido à mudança de unidade, havia aberto um novo chamado.

“Por sua vez, o técnico de TI informou que fecharia o primeiro chamado, e o 2º chamado foi então aberto no dia 05.05.2024. Em 15.07.2024, o segundo chamado teria sido resolvido, havendo registro de que os acessos estavam ok”, pontuou a juíza, observando que a empresa finalizou o chamado apenas um dia antes do ajuizamento da ação trabalhista.

Para a magistrada, ficou evidente que, apesar de algumas providências terem sido tomadas após a primeira solicitação formal, não houve um esforço coordenado e eficiente por parte da empresa para retificar o nome da atendente em todos os sistemas sob sua gestão, sem qualquer tipo de ressalva.

“E tanto é assim que a autora teve que dar início a dois chamados distintos com a mesma finalidade e que, apesar de a empresa afirmar terem sido solucionados, o cupom de descontos emitido pela própria farmácia, em 10/07/2024, demonstra que a empregada ainda estava cadastrada com o nome civil”, destacou a juíza.

Solange Barbosa de Castro Amaral concluiu que as medidas tomadas pela farmácia não foram suficientes para evitar que a atendente fosse exposta ao constrangimento de ter seu nome anterior utilizado perante colegas de trabalho e clientes. “A empregadora não teve diligência na solução devida”, afirmou.

A juíza fundamentou sua decisão no dever do empregador de garantir a segurança e a saúde física e psíquica dos empregados, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Constituição Federal, devendo adotar políticas efetivas de inclusão e diversidade para pessoas trans.

“No caso, restou comprovado o decurso de tempo significativo entre a comunicação formal à empregadora e a efetiva retificação do nome, comprometendo o reconhecimento da identidade de transgênero expressamente manifestada pela reclamante”, concluiu a juíza, fixando a indenização em R$ 3 mil.

Ao definir o valor da indenização, a juíza considerou o tempo de serviço da atendente, a natureza pedagógica da punição, a gravidade da ofensa e a capacidade econômica da farmácia, ressaltando que a indenização não deve gerar enriquecimento para a vítima, mas sim desestimular a empresa a repetir a conduta. Não houve recurso da decisão. Ao final do processo, a juíza homologou um acordo entre as partes, já cumprido pela empresa, resultando no arquivamento definitivo do caso.

17 de Maio: Dia de Combate à LGBTfobia

A decisão judicial ganha ainda mais relevância na véspera do Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, celebrado em 17 de maio. A data marca a retirada da homossexualidade da lista de doenças pela Organização Mundial da Saúde em 1990 e serve como um lembrete da importância de combater o preconceito e promover o respeito à diversidade sexual e de gênero. Apesar dos avanços, a população LGBTQIAPN+ ainda enfrenta discriminação em diversos âmbitos, reforçando a necessidade de ações como a determinada pela Justiça do Trabalho em Belo Horizonte.

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