Mesmo passados mais de seis anos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, a população atingida ainda sofre com sérios problemas respiratórios e de saúde mental. O alerta é resultado de um estudo abrangente da Fiocruz Minas, cujos dados foram apresentados nesta terça-feira (29/4/2025) em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A pesquisa, denominada Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, teve início em 2021 e conta com financiamento do Ministério da Saúde. O levantamento abrange duas frentes principais: o projeto Saúde Brumadinho, focado em indivíduos com mais de 12 anos, e o Projeto Bruminha, dedicado à saúde de crianças de 0 a 6 anos.
A audiência pública, uma iniciativa da deputada Bella Gonçalves (Psol), marca o terceiro debate na ALMG sobre a saúde das vítimas da tragédia. Representantes do poder público, da população atingida e de assessorias técnicas que acompanham as comunidades impactadas na Bacia do Rio Paraopeba participaram da discussão, juntamente com pesquisadores da Fiocruz e parlamentares.

No âmbito do projeto Saúde Brumadinho, cerca de 2.500 pessoas foram entrevistadas. O pesquisador da Fiocruz Minas e coordenador do estudo, Sérgio William Viana Peixoto, detalhou os resultados, revelando um quadro preocupante na área da saúde mental. A pesquisa aponta que 18,1% dos adultos entrevistados foram diagnosticados com depressão, um índice significativamente maior que a média nacional de 10,2%. Além disso, 28,2% dos adultos apresentaram sintomas depressivos, mesmo sem diagnóstico formal. Nas comunidades de Tejuco e Parque da Cachoeira, as taxas ultrapassam os 40%. Entre os adolescentes, a média de depressão é de 17,6%, chegando a alarmantes 44,5% apenas em Tejuco.
No que se refere a problemas respiratórios, a ocorrência de asma entre os adultos atingiu 10,8% em 2024, mais que o dobro da média nacional de 5,3%. Entre os adolescentes, a taxa é ainda maior, de 13,2%.
A pesquisa também monitorou a presença de metais pesados no organismo dos atingidos. Embora tenha havido uma redução significativa em relação a 2021, principalmente nos níveis de manganês e chumbo, em 2023, 21,9% da população pesquisada ainda apresentava concentrações de arsênio acima dos valores de referência.
Outro dado relevante apontado pelo estudo é o aumento da procura por consultas médicas pela população atingida, saltando de 38,6% em 2021 para 58,3% entre os adultos, e de 21,7% para 66,8% entre os adolescentes.
Impactos respiratórios na saúde infantil
A professora titular da UFRJ e coordenadora do projeto Bruminha da Fiocruz Minas, Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus, apresentou os dados sobre os impactos na saúde e desenvolvimento infantil. A pesquisa indica uma melhora no desenvolvimento psicomotor das crianças, com uma diminuição no risco de atraso na aprendizagem de 42,5% em 2021 para 28,3% em 2023. Houve também um aumento no percentual de crianças com Índice de Massa Corporal (IMC) normal.
Contudo, o estudo revelou um aumento preocupante nos relatos de alterações respiratórias ao longo dos anos. Em 2021, o risco de alergias respiratórias era três vezes maior nas áreas expostas à poeira de resíduos de mineração. Em relação à exposição a metais, o percentual de crianças com concentrações de arsênio na urina acima dos valores de referência cresceu de 42% em 2021 para 57% em 2023, atingindo 72% na comunidade do Tejuco. A pesquisadora ressaltou que os resultados indicam exposição, e não necessariamente intoxicação, e que não foi observada associação entre a exposição a metais e alterações no crescimento e desenvolvimento neuromotor e cognitivo.
Comunidades clamam por protocolo de saúde específico
Durante a audiência, representantes das comunidades atingidas expressaram dificuldades no acesso e tratamento dos problemas de saúde via SUS. "O SUS não está preparado para nos atender", lamentou Michelle Rocha, moradora de Monte Calvário. Ela relatou inúmeros casos de falta de diagnóstico ou diagnósticos equivocados.
Assessorias técnicas independentes também apontaram a falta de assistência à saúde, especialmente no âmbito da saúde mental. Marcus Vinícius Polignano, professor do Instituto Guaicuy, defendeu a participação ativa das pessoas atingidas na definição das medidas de reparação. Marta de Freitas, coordenadora do MAM, questionou o número de pessoas que adoeceram e faleceram posteriormente à tragédia em decorrência dos impactos na saúde física e mental causados pela contaminação da atividade minerária.

Abdalah Nacif, da comunidade de Beira Córrego, informou a criação de um grupo de trabalho para elaborar um protocolo de saúde específico para as vítimas, uma demanda construída pelas próprias comunidades e apresentada na 17ª Conferência Nacional de Saúde. Robson de Oliveira, morador de Piedade de Paraopeba, criticou a vinculação da garantia do direito à saúde ao acordo judicial de reparação.
Poder Público foca em atenção primária e estudos
O promotor Leonardo Maia esclareceu que o acordo judicial não abrange todas as questões de saúde e que perícias judiciais da UFMG estão sendo incluídas no processo. A deputada Bella Gonçalves anunciou que solicitará ao Tribunal de Justiça a apresentação desse estudo.
A secretária de Saúde de Brumadinho, Cinthya Mara Pedrosa, reconheceu a ociosidade de um hospital construído após a tragédia na gestão anterior e afirmou que a prioridade de sua gestão será a atenção primária e a busca por recursos para manter as instalações tecnológicas. Representantes do governo estadual apresentaram ações como editais de pesquisa, protocolos e planos em desenvolvimento. O subsecretário de Vigilância em Saúde, Eduardo Prosdocimi, detalhou a produção de um relatório técnico e mencionou ações de capacitação e monitoramento ambiental.
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