Um estudo inédito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a “Autistas Brasil” revela que a desinformação sobre autismo cresceu 15.000% (mais de 150 vezes) nas comunidades da América Latina e do Caribe no Telegram nos últimos cinco anos.
Realizada por pesquisadores do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop/CEAPG/FGV) em cooperação com a Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil), a pesquisa analisou mais de 60 milhões de mensagens em grupos conspiratórios do Telegram envolvendo mais de 5 milhões de usuários de 19 países.
Foram mapeadas 150 falsas causas e 150 falsas curas do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em postagens abertas ao público, ao longo de uma série histórica entre 2015 e 2025.
Pesquisadores responsáveis pelo estudo: Ergon Cugler (DesinfoPop e Autistas Brasil), Arthur Ataide Ferreira Garcia (Autistas Brasil), Guilherme de Almeida (Autistas Brasil), Julie Ricard (DesinfoPop).
Principais achados:
Crescimento de 15.000% no conspiracionismo sobre autismo pós-Pandemia: A Pandemia da COVID-19 foi a porta de entrada para a explosão da desinformação sobre autismo no Continente. Entre 2019 e 2024 (cinco anos), o volume de conteúdos enganosos cresceu mais de 15.000% (ou seja, multiplicou por mais de 150 vezes), com um aumento expressivo de 635% (cresceu 7,35 vezes) apenas durante o início da Pandemia (2020-2021). Esse crescimento acelerado demonstra como a crise sanitária abriu espaço para narrativas conspiratórias que continuaram se expandindo nos anos seguintes.
Cerca de 100 milhões de visualizações e 4 milhões de usuários: Teorias da conspiração envolvendo autismo alcançaram pelo menos 4.186.031 usuários na América Latina e no Caribe entre 2015 e 2025, totalizando 99.318.993 visualizações, 107.880 reações em 47.261 publicações mapeadas e categorizadas.
Brasil em primeiro lugar no Continente: As comunidades brasileiras de teorias da conspiração somam 46% dos conteúdos sobre autismo em todo o continente (América Latina e o Caribe), totalizando 22.007 publicações, alcançando até 1.726.364 usuários e 13.944.477 visualizações. Seguido do Brasil, Argentina, México, Venezuela e Colômbia também ocupam posição de destaque dentre os países que mais produzem conteúdos conspiracionistas sobre autismo.
50 falsas causas do autismo, de parasitas a Doritos: Encontram-se desde explicações para “causa” do autismo como deficiência de serotonina e exposição a alumínio, até alegações como consumo de Doritos, inversão do campo magnético da Terra e influência de chemtrails. Outras teorias recorrem ao pânico moral e ao negacionismo científico, atribuindo o autismo ao 5G, Wi-Fi, microondas e até às vacinas.
150 falsas curas do autismo, de dióxido de cloro a eletrochoque de Tesla: A falsa promessa de cura para o autismo se tornou um negócio lucrativo, impulsionado por desinformação e oportunismo. Entre as 150 “curas” identificadas, destacam-se práticas perigosas, como o consumo de dióxido de cloro (CDS), conhecido como “MMS”, uma substância tóxica promovida como solução milagrosa. Além disso, métodos absurdos como ozonioterapia, terapia de eletrochoque de Tesla e até a ingestão de prata coloidal e azul de metileno são vendidos como tratamentos supostamente eficazes.
Muitos desses produtos e práticas são comercializados abertamente por grupos que exploram o desespero de familiares, lucrando com a monetização da mentira e colocando vidas em risco.
Veja o que diz Ergon Cugler, coordenador do estudo, autista, membro da diretoria da Autistas Brasil e pesquisador do DesinfoPop/CEAPG/FGV:
“O crescimento de 15.000% da desinformação sobre autismo nos últimos cinco anos é um alerta urgente. Estamos diante de uma epidemia digital, em que mães, pais e familiares são bombardeados por mentiras perigosas disfarçadas de orientação. A internet tem se tornado um terreno fértil para a exploração do medo, onde curas milagrosas e teorias absurdas ganham mais alcance do que a ciência. Assistimos preocupados a desinformação se transformando diariamente em modelo de negócio.”
“O Brasil se tornou o epicentro latino-americano da desinformação sobre autismo. Quase metade de todo conteúdo conspiratório da região é circulado aqui — e muitas vezes, com fins comerciais. Existem pessoas mal-intencionadas lucrando com o desespero alheio, vendendo de prata coloidal a dióxido de cloro como se fossem milagres. Trata-se não apenas de estelionato, mas de um risco real à saúde pública.”
“Essas comunidades no Telegram funcionam como se fossem seitas digitais. Misturam termos científicos com espiritualidade, biohacking, anticiência e teorias da conspiração para criar uma bolha de desinformação onde tudo parece fazer sentido internamente. O mais grave é que, dentro dessas bolhas, o autismo é tratado como algo a ser combatido, como se fosse culpa de alguém ou algo curável.”
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