Opinião | “Trump e as disputas pela liberdade”, pelo historiador Victor Missiato

Leia o artigo assinado por Victor Missiato, professor de História no Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM) Tamboré, analista político e Doutor em História.

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Por Victor Missiato Publicado em 16/01/2025, 16:33 - Atualizado em 16/01/2025, 16:39
Foto – Victor Missiato. Crédito – Reprodução/Divulgação.. Siga no Google News

Em 1968, quando Donald J. Trump graduava-se em economia, na Universidade da Pensilvânia, o mundo assistia a uma revolução cultural, que, décadas mais tarde, ressoaria nos discursos de combate aos legados desse movimento nas campanhas do “novo” presidente republicano. Maio de 1968, na França e no mundo, ressignificou o papel do indivíduo em sociedade ao se contrapor aos domínios das instituições e ideologias hegemônicas no mundo. Escola, universidade, família, capitalismo, socialismo soviético, Estado. Tudo passou a ser visto como instrumentos de controle social.

Mais do que liberdade, a palavra de ordem tornou-se libertação. Libertar-se das amarras do machismo, homofobia, degradação ambiental, patriarcalismo, entre outros, passou a compor a gramática dos novos movimentos sociais, que ganhariam força ao longo das décadas vindouras. No entanto, de forma estrutural e, ao mesmo tempo, paradoxal, as novas ideias libertadoras foram absorvidas por uma nova concepção neoliberal de mundo. Quem identifica parte desse processo é o professor Mark Lilla, autor do livro “O progressista de ontem e do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias” (Ed. Cia das Letras).

De acordo com o autor, a partir da chamada “Dispensação Reagan”, que defendia muito os valores individuais em detrimento de valores sociais, os movimentos progressistas abraçaram esses espaços da antipolítica e promoveram diversas lutas identitárias e verticais em um mundo cada vez mais atomizado. Ao chegarem ao poder nas eleições de Clinton, Obama e Biden, esses movimentos começaram a irradiar suas ideias de libertação em espaços acadêmicos e culturais.

Tais bandeiras, que se colocaram como ativistas, libertadoras e redentoras chegaram às políticas de diversas grandes empresas, estabelecendo-se como uma grande “cultura woke”. Suas conquistas, todavia, alcançaram um determinado limite, quando as contradições entre as diversas lutas identitárias se encontraram com o retorno de um mundo mais conservador a partir da Crise de 2008, que colocou em xeque muitas das premissas estabelecidas a partir da década de 1970.

A partir desse contexto que o movimento Tea Party nos EUA, juntamente com a ascensão de Trump em 2015-2016, trouxe à tona uma sociedade americana em busca de um novo protagonismo e um novo olhar social, distante da perspectiva de um novo Estado de Bem-Estar Social, mas social no sentido comunitário, em que família, religião, educação, formação cívica e nacionalismo voltam a compor uma nova gramática político-cultural.

A reação a esse novo conservadorismo veio em forma de protestos virtuais, cancelamentos, demissões, perseguições, que chegaram a um ponto em que até pessoas do lado progressista da força passaram a ser excluídas por determinadas falas ou textos. Diante do esgotamento dessas lutas, que não criaram um novo projeto de sociedade e relegaram as lutas sociais a visões verticais e, em alguns pontos, autoritárias, a volta de Trump se fez presente de forma avassaladora.

Ao conquistar a maioria no Congresso e Senado, Donald J. Trump atraiu para si um poder que já extrapolou suas vias institucionais. Nesses últimos dias, após diversas empresas cancelarem seus programas identitários, a Meta, uma das maiores empresas de tecnologia e mídia social do mundo, aderiu a uma série de propostas em favor da liberdade de expressão, excluindo a possibilidade de inúmeras perseguições via política de checagem.

Subjaz desse novo “espírito do tempo”, uma nova conjuntura em favor das liberdades em detrimento das libertações. Traduzida muito mais como um valor, e não como uma causa, a liberdade volta a se encontrar com seus valores tradicionais, no que diz respeito às liberdades religiosas, liberdade de expressão e cidadania digital. Contudo, esses movimentos não devem destituir as conquistas em favor das diversas comunidades que passaram a ter representações fundamentais para o fortalecimento da cultura republicana e dos espaços democráticos. A política respira.

*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie ou do Jornal Voz Ativa.

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