Opinião | Fake news, golpe e magnicídio: um enredo do bolsonarismo
Artigo é assinado por Rodrigo Augusto Prando, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.
A última semana foi, para muitos, em compasso de espera. Na terça-feira, 19 de novembro, a Polícia Federal (PF) realizou a ação denominada “Contragolpe” e tal fato levou figuras proeminentes do bolsonarismo a serem presas, bem como desnudou a participação direta do ex-presidente Jair Bolsonaro na trama golpista após sua derrota eleitoral. Uma semana depois, em 26 de novembro, veio à tona o inquérito policial n° 2021.0044972, um robusto documento de 884 páginas.
No referido inquérito lê-se o seguinte: “No contexto da presente investigação apurou-se a constituição de uma organização criminosa, com seus integrantes atuando, mediante divisão de tarefas, com o fim de obtenção de vantagem consistente em tentar manter o então Presidente da República JAIR BOLSONARO no poder, a partir da consumação de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, restringindo o exercício do Poder Judiciário e impedindo a posse do então presidente eleito”. Aqui, contudo, vale uma fundamental observação: havia um planejamento de magnicídio – assassinato de pessoas notórias – e, no caso, o sequestro e morte do ministro Alexandre de Moraes e da chapa presidencial vencedora, Lula e Alckmin.
Ademais, as provas coligidas permitiram à PF indicar a existência e coordenação de núcleos de atuação: Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral; Núcleo Responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe de Estado; Núcleo Jurídico; Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas; Núcleo de Inteligência Paralela; e, por fim, Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas.
A investigação apresenta fatos, colhidos ao longo da investigação, que se iniciam em 2019 e chegam até o 8 de janeiro de 2023, com o ataque às sedes dos Três Poderes, em Brasília. A lógica permite a compreensão da construção de uma trajetória bem articulada: 1) de uma ideia; 2) da divulgação dessa ideia; 3) da organização de indivíduos e grupos em torno dessa ideia; e 4) da concretização operacional dessa ideia.
O presidencialismo de confrontação de Bolsonaro sempre foi de ataque à democracia e suas instituições, todavia, havia a necessidade de tornar esse confronto mais claro e de fácil comunicação. Neste caso, o tema força do bolsonarismo foi a construção – assentada em fake news, pós-verdade, negacionismo e teorias da conspiração – de que as urnas eletrônicas eram passíveis de fraude e, portanto, colocar em dúvida a legitimidade do sistema eleitoral, bem como de contestar uma possível derrota na eleição de 2022.
Depreende-se da leitura do inquérito que o plano de ruptura institucional não logrou êxito já que, mesmo com todo o esforço e recursos empregados pelos atores golpistas, não houve adesão do comandante do Exército, Freire Gomes, e o da Aeronáutica, Baptista Júnior; no entanto, o comandante da Marinha, Almir Garnier, se colocou à disposição de Bolsonaro na colaboração do plano em voga e, por isso, é um dos indiciados.
Agora, temos o seguinte cenário: a narrativa bolsonarista aponta que, no máximo, houve uma intenção de golpe e assassinatos, mas não sua concretização. Juridicamente, contudo, tal narrativa não se sustenta visto que a legislação prevê a punição para o plano de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A narrativa bolsonarista, portanto, terá que confrontar um inquérito técnico e juridicamente abundante em evidências, produzido pela PF, um órgão de Estado. Por fim, importante rememorar que justiça não é vingança e que, doravante, as instituições seguirão seus ritos e os acusados terão, na democracia, o direito à defesa e ao contraditório.
*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.
Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie
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