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“Paisagens Mineradas”: exposição de arte e resistência chega ao Museu da Inconfidência, em Ouro Preto

Com realização do Instituto Camila e Luiz Taliberti e curadoria de Isadora Canela, abertura acontece no dia 29 de novembro, com entrada gratuita.

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 12/11/2024, 16:29 - Atualizado em 12/11/2024, 16:30
Foto – Museu da Inconfidência, Ouro Preto-MG. Crédito – Tino Ansaloni / JVA. Siga no Google News

No dia 29 de novembro, mês que marca os 9 anos do rompimento da barragem de Mariana, a exposição "Paisagens Mineradas: marcas no corpo território" será inaugurada no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto (MG), com visitação gratuita até 15 de março de 2025. A exposição, que traz um olhar profundo sobre as consequências da mineração nas paisagens físicas e simbólicas do nosso país, é realizada pelo Instituto Camila e Luiz Taliberti e tem curadoria da mineira Isadora Canela. A exposição reúne obras de doze artistas mulheresBeá MeiraColetivo ASA (Associação de Senhoras Artesãs de Ouro Preto); Isadora CanelaIsis MedeirosJulia PontésKeyla SobralLis HaddadLuana VitraMari de SáMurapyjawa Assurini, do Coletivo Kujÿ Ete Marytykwa'awa; Shirley Krenak e Silvia Noronha

A escolha do local para essa exposição é carregada de simbolismo. O Museu da Inconfidência fica instalado na antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, atual Ouro Preto, que representava o centro administrativo e jurídico de uma cidade que foi o epicentro do ciclo do ouro no Brasil, período em que a mineração moldou a paisagem e a história do estado. “Ocupá-lo com obras que abordam os impactos da mineração é também reivindicar a nossa memória e denunciar um sistema secular de violações e violências, tanto em corpos humanos quanto em corpos-territórios”, comenta a curadora. 

A tragédia de Brumadinho é mais do que uma cicatriz na história de Minas Gerais; é um marco de luto e luta por justiça. No dia 25 de janeiro de 2019, a barragem do Córrego do Feijão se rompeu, liberando um mar de lama tóxica que ceifou 272 vidas humanas, devastou hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica, além de áreas de proteção permanente ao longo de cursos d'água. O histórico de crimes ambientais em Minas também inclui o rompimento de uma barragem em Mariana, ocorrido em 2015, que deixou ainda 19 mortos e o distrito de Bento Rodrigues soterrado em lama. 

"Não foi um acidente. O processo ainda está em curso e ninguém até o momento foi responsabilizado", relembra Helena Taliberti, presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti. "Perdemos nossos sonhos e a segurança que sentíamos. Perdi meus filhos, Camila e Luiz Taliberti, minha nora, Fernanda Damian de Almeida, grávida de cinco meses, do meu neto, Lorenzo. Perdemos tudo naquele dia 25, sonhos, planos, perspectivas", enfatiza.

"Paisagens Mineradas" é formada por obras de 12 mulheres artistas, entre pinturas, gravuras, videoarte, instalações e fotografias. A exposição resgata a memória dos que perderam a vida e dialoga com um futuro possível: as obras expostas retratam a devastação, mas também a capacidade de regeneração. "Nos horizontes do tempo, cicatrizes desenham as paisagens do corpo, da memória e da terra. 'Paisagens Mineradas' é um convite à imaginação de um solo fértil. Nessa lama vermelho-sangue, semeamos a vida”, reflete o texto de apresentação da mostra. 

O texto ainda ressalta o papel crucial do feminino na iniciativa: “esta exposição reúne mulheres artistas que, feito mãe-terra, se organizam em rede para germinar outras paisagens possíveis”. A curadora aponta que ter uma equipe integralmente feminina, inclusive na produção da mostra, reflete uma narrativa crítica sobre exploração. "Em um sistema que normaliza a violência, o que se faz com a montanha, se faz com a mulher. Pensar no lugar que as mulheres ocupam na cultura e na arte, muitas vezes apagadas na história, é uma forma de subverter a lógica de um sistema opressor", afirma Isadora. 

“Essa é uma exposição sobre perda e renascimento. Uma forma de honrar cada vítima e para tornar viva a memória e busca por justiça por meio da arte”, declara Helena Taliberti. “O ato de levar ‘Paisagens Mineradas: marcas no corpo-território’ ao Museu da Inconfidência é um gesto poderoso de resistência e memória. A antiga Vila Rica, que um dia simbolizou a riqueza do ouro, hoje é ocupada por uma exposição que confronta as rupturas humanas, sociais e ambientais dessa exploração. A mostra é um convite a refletir sobre o futuro, honrando as vidas perdidas e o que ainda pode ser ressignificado”, conclui. 

A exposição e sua itinerância foram idealizadas e realizadas pelo Instituto Camila e Luiz Taliberti com o intuito de levar a discussão sobre os impactos da atividade mineradora para diferentes públicos e conectar territórios afetados por essa prática. O instituto honra a memória dos irmãos Camila e Luiz, que perderam a vida no rompimento da barragem de Brumadinho, através de ações culturais e de sustentabilidade que buscam conscientizar a sociedade sobre o impacto da mineração predatória. 

“Esta exposição é um convite para refletirmos sobre o futuro que está sendo construído e as consequências das nossas escolhas. Precisamos mostrar para a sociedade o que aconteceu, para que tragédias como essa não se repitam, para que a vida seja priorizada, e para que a morte deles não tenha sido em vão”, diz Helena. “A itinerância da exposição é uma forma de nos conectar com as famílias que passaram pelo mesmo trauma, com pessoas que também acreditam nessa luta e ainda agregar pessoas que se sintam tocadas pela causa e pela arte”, complementa. Antes de chegar a Ouro Preto, “Paisagens Mineradas” passou por São Paulo (SP) e Belém (PA). 

As artistas 

Beá Meira - Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP (1985), investiga paisagens marcadas pela exploração e o antropoceno. Durante três décadas, desenvolveu práticas pedagógicas e colaborativas em arte, além de registrar reflexões visuais em cadernos de desenho. Em 2018, lançou Cadernos da Beá e, em 2021, retomou a pintura e técnicas de gravura, como litogravura e mokolito. Participou de exposições em instituições como o Itaú Cultural, o Museu de Arte do Rio (MAR) e a Lona Galeria de Arte, entre outras. 

Coletivo ASA (Associação de Senhoras Artesãs de Ouro Preto) - Fundada em 2008 por um grupo de amigas apaixonadas por arte têxtil, a Associação das Senhoras Artesãs é um espaço de encontro e trocas de experiências, unindo o interesse comum pelo uso criativo de tecidos, agulhas e linhas. Com foco na produção artesanal, o Coletivo ASA busca preservar e promover a identidade cultural por meio de bordados e trabalhos manuais.

Isis Medeiros - Isis Medeiros é fotógrafa focada em fotojornalismo e fotografia documental, com trabalhos voltados a denunciar negligências de mineradoras em Minas Gerais e violações de direitos humanos. Engajada na luta por empoderamento feminino, realizou o projeto Mulheres Cabulosas da História e recebeu o prêmio Clara Zetkin. Suas fotos foram publicadas em veículos como National Geographic e BBC News. Em 2020, lançou o fotolivro 15:30, sobre o desastre de Mariana, e integra o projeto Testemunha Ocular, destacando-se como uma das principais fotojornalistas do Brasil. 

Julia Pontés - Júlia Pontés é fotógrafa, artista visual e pesquisadora mineira, com foco no impacto socioambiental da mineração no Brasil. Seu trabalho colabora com movimentos sociais e universidades para conscientizar sobre os efeitos do extrativismo. Premiada por instituições como a National Geographic Society e a Universidade de Harvard, Júlia já exibiu obras em diversos países. Professora na Columbia University e Montclair State University, atualmente desenvolve o projeto env-IRON-ment, documentando minas de ferro nos EUA. Também integra o MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração. 

Lis Haddad - Lis Haddad é artista multidisciplinar que investiga a relação entre paisagens afetivas e a remodelação do ambiente por forças extrativistas ou exílio. Participou de exposições como a Bienal de Florença (2023) e Over (the) Mine, em Munique (2022). Atuou em residências artísticas na Alemanha e colaborou com a Universidade de Augsburg em projetos sobre coleções etnológicas. Foi aluna convidada da Akademie der Bildenden Künst München e integra o painel da rede Exploring Visual Cultures, com foco em arte, educação e antropologia cultural. 

Luana Vitra - Luana Vitra é artista cujas obras exploram a relação entre matéria, memória e emoção, evocando poesia e crítica política. Influenciada por sua vivência em um contexto de mineração e marcenaria, sua prática investiga os simbolismos da matéria e suas implicações subjetivas. Trabalha com uma diversidade de materiais, criando objetos e instalações que questionam o cotidiano. Participou da 35ª Bienal de São Paulo e exibiu em instituições como Instituto Inhotim, MAM-Rio, South London Gallery e Framer Framed, em Amsterdã. 

Mari de Sá - Artista visual formada pela Faculdade Belas Artes de São Paulo, dedica-se a causas sociais, com ênfase em livros de artista. Suas obras priorizam o uso de matérias-primas locais, promovendo a artesania como uma forma de arte comunitária e estimulando práticas colaborativas que fortalecem o vínculo entre a arte e a sociedade. 

Murapyjawa Assurini e Coletivo Kujÿ Ete Marytykwa'awa - Murapijawa Assurini, artista, pintora, ceramista e tecelã, é a filha mais velha de Matuja e Itakyri e mãe de oito filhos. Ela enfrenta o desafio de aprender cada vez mais sobre sua cultura para dar continuidade ao legado ancestral de sua família, seu povo e as futuras gerações. O Coletivo Kujy Ete Marytykwa’awa é uma iniciativa de Mulheres Indígenas Awaete em colaboração com Mulheres Iarakynga, que busca ampliar o diálogo e a troca de saberes entre os povos. O coletivo se conecta em uma rede de cooperação, promovendo a construção social coletiva e a consciência humana por meio da (re)conexão com as terras, águas e florestas. 

Shirley Krenak - Shirley Djukurnã Krenak é ativista e educadora indígena, engajada na luta de seu povo, os Krenak, desde a adolescência. Com uma forte conexão com sua terra, que sofre com a exploração mineradora, ela defende a importância da conscientização ambiental e da educação como ferramentas de transformação social. À frente do Instituto Shirley Djukurnã Krenak, promove o fortalecimento da identidade indígena e valores de coletividade, integrando histórias e saberes tradicionais em espaços educacionais. Shirley acredita no aprendizado contínuo como caminho para a harmonia com a natureza e a cura coletiva. 

Silvia Noronha - Silvia Noronha é uma artista que vive e trabalha em Berlim. Suas esculturas e instalações utilizam materiais como terra, argila, vidro e resíduos eletrônicos, explorando o conceito de "geologia especulativa", onde o solo é visto como um meio de armazenar informações temporais. Reconhecida por sua pesquisa, recebeu prêmios como o Neukölln Kunstpreis (2023) e o Elsa Neumann Stipendium (2019). Seu trabalho já foi exibido em instituições renomadas, incluindo a Johannesburg Art Gallery e Kunstquartier Bethanien em Berlim.

Serviço

Abertura da exposição "Paisagens Mineradas"
Data: 29 de novembro
Visitação: terça a domingo, das 10h às 17h
Local: Museu da Inconfidência
Endereço: Praça Tiradentes, 139 - Centro Histórico
Ouro Preto - MG, 35400-000
Entrada gratuita

Duração: até 15 de março de 2025
 

Sobre o Instituto Camila e Luiz Taliberti (ICLT)

Entidade sem fins lucrativos, o Instituto Camila e Luiz Taliberti, fundado em julho de 2019 por amigos e familiares de Camila e Luiz para honrar o legado dos irmãos vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019. O ICLT atua promovendo ações culturais e de sustentabilidade em prol da conscientização sobre as consequências da mineração para as comunidades, além de fazer vasta reflexão sobre o futuro da nossa sociedade, a sua relação com o meio ambiente e o cuidado com os mais vulneráveis. Entre os projetos recentes estão a Mostra de Cinema, Mineração e Meio Ambiente (2023 e 2024) e a exposição Paisagens Mineradas (2024). 

Sobre o Museu da Inconfidência

Situado em Ouro Preto (MG), o museu ocupa o histórico edifício da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, erguido entre 1785 e 1855. Criado em 1944, o museu surgiu para preservar a memória dos inconfidentes e a história de Minas Gerais, com destaque para a Inconfidência Mineira, movimento do final do século XVIII que lutava contra a opressão colonial portuguesa. O acervo documenta não apenas esse período, mas também a evolução social e cultural da região, abrigando o Panteão dos Inconfidentes desde 1942. Renovado em 2006, o museu oferece uma abordagem moderna e abrangente sobre a herança histórica mineira, incluindo também espaços para mostras temporárias.

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