68ª Reunião Ordinária da Câmara de Ouro Preto - 24/10/2024
Clique play e assista!

Prosa na Janela: “Um sonho que nasceu de um sonho”, por Roberto dos Santos

Leia mais um conto inédito de Roberto dos Santos para o JVA.

Home » Prosa na Janela: “Um sonho que nasceu de um sonho”, por Roberto dos Santos
Por Roberto dos Santos Publicado em 23/10/2024, 10:54 - Atualizado em 23/10/2024, 10:54
A escrita de Roberto dos Santos, colunista cativo do JVA, transita entre a prosa, o conto e a crônica. Crédito — Arquivo pessoal. Siga no Google News

A leve garoa que caia sobre as pedras que adornavam as ruas e vielas de Ouro Preto, criavam um dos cenários mais deslumbrantes que se podia observar. O brilho que se refletia nas pedras lisas da encantadora cidade, capturava os passos e rostos de pessoas de diversas nacionalidades. Entretanto, ninguém notou Karine, exceto Dante, que, enquanto a chuva continuava a cair, percebeu algo além da beleza proporcionada pelas águas, que na descendente tocavam o solo da bela Ouro Preto.

Ele viu Karine caminhando, envolta por elegantes vestes negras, com os cabelos cobertos por um capuz que a impedia de se molhar.  Contudo, além de oferecer proteção contra a chuva, o acessório escondia parte de seu rosto meigo, delicado, fascinante e encantador. Seu sorriso, que revelava uma parte de sua beleza, numa junção com uma pequena porção do seu rosto bonito, eram as únicas coisas visíveis naquele dia chuvoso em Ouro Preto.

Dante ficou encantado com o jeito gracioso de Karine andar. O cuidado dela para não encharcar suas botas pretas, transformava cada passo em um verdadeiro espetáculo. Sua leveza e o jeito natural de se mover, lhe conferiam o título de a mais bela da cidade. A chuva persistia, e Karine continuou subindo a rua do Ouvidor ou Cláudio Manoel, tanto faz, tomando todos os cuidados para não escorregar, ciente do perigo que aquele chão apresentava.

Antes de chegar a praça Tiradentes, virou à esquerda, e em frente à igreja de São Francisco de Assis embarcou em um ônibus circular da cidade.

Dante, encostado na parede da casa de Gonzaga, observava com desalento o ônibus se afastar do Largo de Coimbra, ou da feirinha de pedra sabão, tanto faz, enquanto seguia pela rua Costa Sena rumo à rua Pacífico Homem. Sem mais nada para fazer, resolveu ir embora.

À noite, enquanto dormia, Dante teve um sonho com Karine.

E sobre sonhar, a psicanálise argumenta que os sonhos podem revelar, entre outras coisas, nossos desejos mais profundos e escondidos. No que se refere à ciência, pouco se sabe sobre o fenômeno dos sonhos, mas existe a crença de que, durante o sono, as lições aprendidas no cotidiano são armazenadas em áreas específicas do cérebro.

Assim, o que ocorreu com Dante foi a fusão das duas reflexões mencionadas anteriormente; ou seja, a imagem de Karine persistia em sua mente, e seu inconsciente trouxe à tona desejos e anseios profundos escondidos.

Ele sonhou que Karine havia escorregado ao subir a rua Cláudio Manoel e que a segurou em seus braços. Sentiu o aroma do perfume dela e o som suave de sua voz, tudo isso se desenrolou no exato momento em que a apoiava e ajudava a se reerguer após a queda. Sua mão envolveu a dela enquanto oferecia impulso para levantá-la, como se fosse uma troca de energia.

Segundos depois despertou e percebeu que aquele momento esplêndido não passava de um lindo sonho. Tentou fechar os olhos novamente para sonhar de novo, mas não conseguiu. O fim daquele doce sonho deu origem a outro sonho: o de encontrá-la e experimentar todas aquelas sensações que pareciam tão reais enquanto sonhava.

Dante foi consumido por um forte desejo de descobrir onde Karine morava. Ele esperava que ela estivesse descompromissada, estímulo para uma busca incansável por sua localização. Depois de perceber que o ônibus em que Karine entrou seguia rumo ao bairro Saramenha, Dante começou a ir diariamente ao Largo de Coimbra, em frente à igreja São Francisco de Assis, refazendo o trajeto na esperança de um dia encontrá-la. Essa rotina se manteve por mais de um mês.

Até que um dia, enquanto atualizava suas redes sociais, ele encontrou, entre as sugestões de amizade, uma foto que lembrava muito Karine. Intrigado, ele decidiu clicar no perfil e confirmou que realmente se tratava dela. No entanto, as informações disponíveis não eram suficientes para que ele pudesse saber mais do que já conhecia sobre ela. Determinado, ele investigou as publicações na esperança de descobrir mais sobre quem era Karine. Contudo, o que encontrou não lhe trouxe alegria. Uma fatídica postagem revelava que ela era comprometida.

Apesar da tristeza que o envolvia, Dante compreendeu a situação e refletiu como iria virar a chave e seguir em frente. O sonho que surgira de um anseio não poderia mais ser sustentado; tudo havia chegado ao fim. Assim, Dante continuou sua vida tristonho, e Karine se tornou para ele uma doce recordação. Meses se passaram, e Dante acabou por ver Karine caminhando pela cidade. Ela não suspeitava dos sentimentos secretos que ele nutria.

Ele a observava com muito carinho, mantendo suas reações discretas. Em seguida, descobriu que Karine trabalhava nas proximidades da praça Tiradentes e frequentemente aproveitava seu horário de almoço para apreciar o movimento do local. Assim, começou a ir à praça sempre que tinha a oportunidade ou sentia saudade, apenas para admirar Karine, que desfilava graciosa pelo espaço.

Dante respeitou os limites de Karine e se contentou em ir até onde foi possível. Seu desejo de estar junto a ela se transformou em uma quieta contemplação. Encontrou uma maneira de amá-la sem que ela notasse. Estar perto dela era como contemplar a lua, as estrelas e o sol.

Sempre que o vento agitava os cabelos pretos com minúsculas mechas amarronzadas de Karine, e logo depois tocava o rosto de Dante, ele fechava os olhos, e com toda a sua sensibilidade, sentia Karine naquele mimo que chegava até ele através da brisa suave.

E assim Dante passou a sonhar todos os dias, concretizando-os sempre que avistava Karine.

Essa foi mais uma das inúmeras formas de amar, entre as tantas que existem, sejam elas visíveis ou não.

E Karine, por sua vez, permanecia alheia ao que acontecia ao seu redor.

Deixar Um Comentário