O que o pódio de Rebeca Andrade no solo nos ensina sobre competitividade
Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 já deixam saudades, mas, não há dúvida que ficou um grande legado a partir das lições que os atletas nos passaram nas duas semanas de competições.
A imagem das ginastas Simone Biles e Jordan Chiles se curvando em reverência à brasileira Rebeca Andrade, após sua vitória no solo da ginástica artística em Paris 2024 já é considerada histórica. Mas, o que nós, assim como as futuras gerações, podemos aprender sobre competitividade, a partir do gesto das atletas?
“Esta foto é simbólica e é um claro exemplo de regulação emocional”, avalia o psicólogo Filipe Colombini, CEO da Equipe AT. “Por mais que desejassem vencer a prova, as atletas são capazes de reconhecer o valor e o esforço de outra competidora, demonstrando humildade, empatia, consideração e amizade”, explica.
O especialista diz que o mérito da dupla Biles e Chiles foi demonstrar genuinamente que o adversário não é um inimigo, o que, segundo ele, muito se fala, mas é muito difícil de se demonstrar. “A atitude delas foi muito positiva, pois promove um modelo de cultura de competição mais saudável, que fica como uma lição para futuras gerações”, diz o psicólogo.
Mas o que significa o conceito de regulação emocional, empregado por Colombini, ao se referir ao pódio das ginastas? Conforme ele explica, a regulação emocional é a capacidade que uma pessoa tem de compreender as próprias reações emocionais, buscando enxergar a realidade da forma que ela é, sem deixar que as situações vivenciadas afetem de forma intensa e negativa a própria vida.
"Ou seja, a competição é um espaço para relações humanas, tanto quanto para rivalidades, e, enxergar isso, significa viver o esporte de modo mais saudável", conclui Colombini.
O psicólogo e CEO da Equipe AT ressalta que Biles já disse em entrevistas que sempre incentivou Rebeca Andrade a dar o seu melhor, para, com isso, ter uma adversária à altura, para também ela conseguir se superar. “Este gesto é, com certeza, exemplar”, indica o CEO da Equipe AT.
E não há dúvidas de que o desempenho de um atleta está intimamente ligado ao bem-estar psicológico. “As ginastas envolvidas neste momento tão emblemático das Olimpíadas de Paris já falaram abertamente sobre a importância do cuidado com a saúde mental e sobre o valor de se compreender os sentimentos relacionados à derrota”, completa o profissional.
O especialista considera que ainda existe um longo caminho a se trilhar quando o tema é competição saudável. Como exemplo, ele cita a cultura futebolística, que, normalmente, incentiva rivalidades exacerbadas e desconsidera a saúde mental dos jogadores, tornando-se um ambiente tóxico.
“O esporte vem dando outras referências, outros modelos, flexibilizando esse pensamento sobre a relação que devemos ter com os adversários, mostrando que a derrota está circunscrita a um contexto, e não se aplica à vida e às relações humanas”, afirma o profissional.
O suporte psicológico, certamente, tem um papel fundamental neste novo paradigma ligado a vencer ou perder. “Atletas de alto desempenho estão mais sujeitos a condições físicas e emocionais desafiadoras, por isso, nestas circunstâncias, o apoio psicológico é tão essencial quanto o treino físico”, diz ele.
Desta forma, estabelecer estratégias de resiliência, de gerenciamento de estresse é fundamental para a carreira do atleta. Mas o psicólogo cita que este refinamento emocional não ocorre de uma hora para a outra. “Assim como o treino técnico envolve meses, anos, décadas, o processo psicológico é uma construção individual, que precisa de tempo e vivência”, diz.
“O esporte ensina a postura de passo a passo, de respeito aos limites, às linhas de base e às conquistas, o que não se refere apenas às medalhas de ouro”, conclui. “Existem metas graduais, que devem ser inseridas, seja pelo técnico, seja pelo psicólogo, para que o atleta tenha um senso de autoconquista”, completa Colombini.
O CEO da Equipe AT cita, ainda, que sentimentos de agressividade, como raiva, inveja, além do desejo de eliminar o outro, também são importantes no momento da competição, e que servem para impulsionar o atleta e ajudá-lo a refinar sua performance. “Mas é preciso compreender que essas emoções devem ser canalizadas e restritas ao momento da prova, e, jamais migrar para fora da competição”, indica.
Estratégias psicológicas, como mindfulness e técnicas cognitivas também se mostram essenciais para a melhora do desempenho e para aumentar a autoconfiança. “Um exemplo é o Cristiano Ronaldo, quando ele vai bater uma falta, tem uma produção de auto falas, para melhorar sua performance, para melhorar seu foco”, lembra Colombini. "O treino mental deve ocupar tanto espaço quanto o físico", afirma.
"A competição deve ser um lugar para admirar e comparar estratégias, desempenhos e movimentos", diz o especialista. “Hoje, mais que nunca, a terapia é essencial para profissões que focam no desempenho, e os atletas precisam olhar para a saúde mental com a mesma seriedade que dedicam à saúde física.”
Mais sobre Filipe Colombini: psicólogo, fundador e CEO da Equipe AT, empresa com foco em Acompanhamento Terapêutico (AT) e atendimento fora do consultório, que atua em São Paulo (SP) desde 2012. Especialista em orientação parental e atendimento de crianças, jovens e adultos. Especialista em Clínica Analítico-Comportamental. Mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Professor do Curso de Acompanhamento Terapêutico do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas – Instituto de Psiquiatria Hospital das Clínicas (GREA-IPq-HCFMUSP). Professor e Coordenador acadêmico do Aprimoramento em AT da Equipe AT. Formação em Psicoterapia Baseada em Evidências, Acompanhamento Terapêutico, Terapia Infantil, Desenvolvimento Atípico e Abuso de Substâncias.
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