Desde meados dos anos 2010 o pêndulo do poder geopolítico global tem, aos poucos, migrado para a Ásia. O extraordinário crescimento chinês, a iniciativa do Cinturão e Rota da Seda e a formação de blocos econômicos e acordos de livre comércio, como a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), que inclui muitos países asiáticos, fortaleceu as ligações econômicas e políticas dentro da região.
Paralelamente ao crescimento do Oriente, o Ocidente, especialmente a Europa, tem enfrentado desafios econômicos e políticos, como crises financeiras, polarização e radicalização política e o aumento do populismo. Nos EUA, há um debate contínuo sobre o papel do país como líder global, com algumas políticas recentes focando mais em questões internas.
É nesse cenário que se discutia nos últimos anos, ainda que de forma especulativa, a existência de uma nova Guerra Fria: a rivalidade entre os EUA e a China, especialmente no campo econômico, tecnológico e militar era reminiscente da competição entre os EUA e a URSS no passado. A essa competição, intensificada no primeiro governo Trump, acrescentaram-se novos elementos recentes como o aumento global nos gastos militares e o alinhamento entre Irã, Rússia e Coreia do Norte.
A chegada de navios russos com capacidade nuclear a Cuba, ocorrida em junho desse ano, remete à Crise dos Mísseis de 1962. Dessa vez Putin, e não Kruchóv, exibiu poder contra o que chamou de ‘ameaças ocidentais’ em meio à corrida eleitoral nos EUA e aos efeitos da guerra na Ucrânia.
Também neste mês, a Rússia iniciou uma série de exercícios navais no Pacífico. A operação conta com a participação de 40 navios, lanchas e barcos, além de 20 aviões e helicópteros, que patrulham as águas do Mar do Japão e do Mar de Okhotsk, no Extremo Oriente russo. Coincidência ou não, esses exercícios ocorrem em meio à primeira visita oficial em 24 anos do presidente russo, Vladimir Putin, à Coreia do Norte. Ao lado do ditador norte-coreano Kim Jong-un, Putin discursou sobre sua luta contra a hegemonia dos Estados Unidos e agradeceu veementemente o apoio do país asiático. Ambas as nações assinaram um pacto de defesa mútua que escancara ainda mais as hostilidades globais.
No contexto da guerra na Ucrânia, a Coreia do Norte vem fornecendo munições e mísseis à Rússia para uso no conflito iniciado em 2022. Em troca, Pyongyang estaria recebendo assistência tecnológica, diplomática e alimentar de Moscou – violando uma série de regras das Nações Unidas. O novo período de prosperidade alegado por Kim Jong-un fez com que o líder supremo norte coreano declarasse seu “apoio incondicional e inabalável a todas as políticas da Rússia”.
A visita de Putin à Coreia do Norte levanta questões sobre o futuro das alianças estratégicas na região. Há especulações de que Pyongyang possa estar buscando uma aproximação mais estreita com Moscou, possivelmente visando uma futura adesão ao grupo dos BRICS. A inclusão poderia beneficiar a Rússia com um fornecimento contínuo de armas, crucial no contexto do conflito na Ucrânia. Pyongyang, por sua vez, ganharia uma plataforma internacional mais forte e maior suporte econômico, diminuindo os impactos das sanções ocidentais. Essa aproximação mais estreita entre Rússia e Coreia do Norte representa uma mudança significativa no sistema internacional.
Esse cenário global de fragmentação parece ser uma nova tendência de um mundo em que as velhas potências encaram novos desafios. A insegurança e a incerteza tornam-se a única constante na inegável Guerra Fria 2.0.
*Beatriz Bittencourt Bonacina é estudante do curso de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e membro do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR.
*João Alfredo L. Nyegray é professor do curso de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR.
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