Atualizado às 16h6 com o pronunciamento da Vale.
A comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) se organizou em uma coletiva de imprensa, às 10h, nesta quarta-feira (01/11), na Casa de Cultura de Mariana para fazer um balanço sobre a situação das pessoas que foram afetadas e ainda sofrem com os danos decorrentes da ruptura da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton. No próximo 5 de novembro, completamos oito anos da tragédia-crime.
No total, cinco membros da CABF compuseram a mesa, representando as comunidades atingidas. Eles refletiram sobre o impacto geral do rompimento ocorrido em 2005 e sobre como, ainda hoje, suas vidas são impactadas por esse que é considerado um dos maiores crimes ambientais da história do país.
Maria do Carmo é lavradora e representa as comunidades da zona rural. Nascida em Paracatu, ela disse que muitos moradores estão mantendo o que sobrou da lama da barragem em suas propriedades sem receberem nada por isso. “Ninguém das empresas nos dá uma resposta ou fala em retirar essa lama que já comprometeu o nosso solo. Tudo o que se planta no local não vinga. O que nasce é apenas um capim, um mato que parece até sem vida, como se fosse um isopor. Não é mais possível produzir alimentos para os animais e o que dirá para os seres humanos”. Ainda de acordo com Maria do Carmo, as empresas mineradoras querem vender a ilusão de que a vida dos atingidos já voltou ao normal, mas que não é bem assim.

Marinho D'Angelo Jr. é um produtor de leite de Paracatu de Baixo, ele afirmou que ao longo desses oito anos, o que consegue perceber é que várias comunidades rurais foram abandonadas dentro desse processo [de reparação] Ele reclama da falta de diálogo. “Há oito anos a gente vem tentando dialogar com a Fundação Renova que depois da pandemia deixou de nos ouvir”.
Ainda sobre as comunidades rurais, D'Angelo disse que existe um produtor rural que tinha sete nascentes em sua propriedade, mas depois do rompimento só sobrou uma. “Estamos vivendo um retrocesso econômico, nosso universo foi simplesmente destruído pela lama e vivemos à mercê de um processo”.
D'Angelo disse ainda que se fala em investimentos de milhões por parte das mineradoras, mas que ninguém consegue enxergar onde está esse investimento. “Onde a gente vive, a vida está destruída”. Ele também reclamou da morosidade do processo na Comarca de Mariana. “Enquanto isso, as nossas vidas, tanto quanto o processo, estão paradas na cidade desde o dia em que aconteceu o rompimento. O que vejo são muitas ações nos bastidores e muito pouco na prática”. Além disso, ainda de acordo com D'Angelo, existe um movimento da Fundação Renova e das mineradoras de abandonar a causa e falar que fechou a conta e passou a régua”. A partir de dezembro os atingidos deixarão de ter o apoio de uma assessoria técnica, então eles pedem ajuda da promotoria. “O que será dos atingidos sem a assessoria na região?”, questionou.

Manuel Marcos Muniz, conhecido como Marquinhos, é aposentado e contou um pouco da história de sua luta pela reparação enquanto morador de Bento Rodrigues. “A Renova foi criada pela Vale para nos auxiliar na reparação, mas já esperamos demais, são oito anos. Nessa lentidão veremos completar, nove, dez anos e enquanto isso, vamos vivendo nesse sofrimento e toda essa burocracia”. Marquinhos disse que o seu processo já está parado na prefeitura há bastante tempo, mas que outros moradores estão em situação ainda pior. “Há pessoas com 80, 85 e até 90 anos que ainda não têm o projeto de suas casas pronto, falo isso com toda a certeza. Pessoas que vivem a sua sétima geração em Bento Rodrigues. Por isso acho que a Renova deveria olhar com outros olhos para esses atingidos”.
Marquinhos disse que já sonhou em viver em comunidade novamente, mas que a demora e a burocracia fizeram com que ele ficasse cansado e a comunidade fosse dividida. “Algumas pessoas simplesmente desistiram e aceitaram ir para o reassentamento familiar, enquanto o reassentamento conjunto diminuiu muito. Viver a vida como era antes é impossível. As criações bebiam água do rio, isso não existe mais. É muita fala e muita propaganda enganosa da Renova”.
Luzia Nazaré Mota Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo, lembrou que a Comissão, validada por 9 comunidades e protocolada em processo, surgiu logo após o rompimento da barragem, criada em 17 de novembro de 2015. “Desde então, passamos a viver 24 horas por dia em função de todos, independente de quem seja. São pessoas buscando a verdade, a história. E nós, embora pareçamos frágeis, estamos lutando com poderosos”. Luzia aproveitou a ocasião para citar todo o empenho do promotor de Justiça Guilherme Sá Meneghin. “Fomos jogados como num barco à deriva e se não fosse pelo Dr. Guilherme, não estaríamos onde estamos hoje. Assim nos tornamos uma Comissão que chama o povo para validar todas as ações”.
Anderson Jesus de Paula, servidor público e representante da comunidade de Paracatu, também vez uso da palavra. “Nós não queremos nada mais além do que já foi nosso. Mesmo que tenham sido feitas promessas de coisas grandiosas, a comunidade sempre lutou para aquilo que é dela, esse é o nosso caráter”. Ele disse também que espera a reparação de todo dano causado pelo rompimento da barragem. “Restituição, para mim, é ter de volto nosso modo de ser, nossa cultura, identidade, tradições. Enfim, nosso jeito interiorano e mineiro de ser”. Ainda de acordo com Anderson, essa luta não acaba com a entrega de uma chave ou de uma casa. “Se algum fruto essa luta de oito anos nos tem dado, são frutos de cansaço, de desgaste mental, de divisão de famílias e o mal continua dentro de nossas propriedades. A lama continua lá”.
Os representantes da Comissão denunciaram haver uma tentativa de criminalizar os atingidos que não aceitam algumas propostas e busca por uma verdadeira reparação. “A gente tem sofrido retaliações”. Eles denunciaram também a estrutura das casas entregues no Novo Bento. De acordo com eles, em algumas residências já aconteceu quedas de telhados e muros. Os atingidos relataram também que, ao contrário do que foi dito, os projetos de construção não foram acompanhados por eles desde o princípio.
Não se pode ficar somente na lembrança que a ruptura da barragem da mineradora Samarco (e suas acionistas Vale e BHP Billiton) devastou comunidades inteiras, matou 19 pessoas e deixou um rastro de perdas e danos nas vidas de milhares de famílias. Desde 2015, as pessoas atingidas de Mariana lutam para a reparação integral dos danos sofridos e o restabelecimento de suas condições de vida. São profundas as alterações provocadas pelo contexto de um desastre-crime dessa magnitude, que obrigou pessoas de comunidades rurais a se mudarem para a vida urbana, que as inundam de tarefas indispensáveis para a reorganização dessas vidas já atravessadas por tamanha violência.
Oito anos após a tragédia-crime, a Justiça brasileira vai ouvir réus pela primeira vez. O interrogatório começará na próxima segunda-feira (6), um dia após a tragédia completar oito anos. A denúncia contra os réus foi oferecida pelo MPF (Ministério Público Federal) em 2016. A acusação inicial pedia a condenação de 22 pessoas e quatro empresas. No decorrer do processo, a Justiça cancelou a acusação de homicídio contra todos os réus. Após exclusão de parte dos nomes, a ação seguiu com sete pessoas e quatro empresas denunciadas.

Posicionamento da Vale
A Vale informou na tarde desta quarta-feira (01), por meio de nota, que “como acionista da Samarco, reforça o compromisso com a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão”. Ela disse também que "a empresa vem prestando suporte à Fundação Renova, responsável por executar os programas de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas”. Ainda segundo a nota da empresa, “tais ações seguem em andamento, sendo que até agosto deste ano mais de 431,2 mil pessoas foram indenizadas, com mais de R$ 32,66 bilhões destinados a ações realizadas pela Fundação Renova”.
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