Bengalando com passos medidos, a menina, vestida com o uniforme de um time local de basquete, é conduzida por sua professora à linha de três pintada na quadra.
A jovenzinha, cega desde o nascimento, tinha no rosto a expressão desafiante de quem vai além dos limites.
Havia cerca de cinco mil vozes no ginásio que silenciaram em uníssono quando a viram receber uma bola de basquete, e em seguida ser posicionada no ponto específico defronte a cesta.
Nunca na história do basquete um ginásio emudeceu daquele jeito, ainda mais no horário do intervalo.
Era necessário. Todos entendiam.
A professora, com auxílio de uma vara cumprida, bateu seguidas vezes, em um movimento calculado que não fosse tão grave ou violento, o suficiente para que os ouvidos da mocinha pudessem capturar a forma como as ondas se propagam no ar.
Três pancadas cadenciadas no aro.
Outras três agora na base.
O som interpretado por ouvidos atentos vira um cálculo matemático em frações infinitesimais de tempo, na mente da menina.
Então o milagre humano acontece. Mãos e corpo se posicionam e a bola é arremessada da linha de três.
Os olhares da multidão e das câmeras acompanham o trajeto da bola em um vôo mágico e triunfal, para depois vê-la mergulhar inteira e de ímpeto, fazendo tremular a rede por dentro.
Um tiro certeiro e a multidão levantou-se rompendo aos gritos, e se pôs de pé em alarido. Não tinha como não festejar o momento!
Aqueles que ali estavam, testemunharam o mais maravilhoso da história dos sentidos humanos, que é a auto-capacidade que têm em compensar com asas, àquele sentido que lhes falta.
Sobre o colunista
Márcio Messias Belém é carioca e graduado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-graduado em Ensino de Língua Portuguesa aos Surdos como segunda língua pelo INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos). Atualmente, faz mestrado em Educação Bilíngue (libras e português).
Sobre a coluna
Filho de pais surdos, o filósofo carioca Márcio Messias Belém se utiliza da crônica, do conto e mesmo da prosa para tratar de forma delicada e ao mesmo tempo descontraída de um tema que deveria ser mais discutido na sociedade, a Inclusão, principalmente voltada às pessoas com deficiência.
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