– Amaury e Dirce, já idosos e angustiados por todo mal causado pelo Alzheimer, que ironicamente os afligira ao mesmo tempo, estão sentados em poltronas – poltronas individuais colocadas propositalmente assim, uma ao lado da outra, para que pudessem permanecer juntos e de mãos dadas: como sempre estiveram: a vida toda.
As poltronas – interessante – tinham os braços volumosos e pacientes, porque não só apoiavam os braços senis do casal, a fim de não os cansar ainda mais (e com isso, pudessem permanecer voluntariamente de mãos dadas), como parecia lhes transferir a sensação de ter que esperar por alguém que está para chegar, mas que a memória não consegue esclarecer “quem”, “como”, “porque” ou “para que”, no meio de todo aquele caos de desencontros e tempestades do esquecimento.
Apenas as mãos dadas – sem necessidades de explicar se para tudo há uma causalidade.
O que permanecia de belo nisso tudo, apesar dos pesares, era a leveza do olhar de reencontro: a cada momento – esquecidos de tudo: da vida, dos sonhos, e até mesmo de quem eram, não se esqueciam, porém, um do outro; e do que representavam um para ou outro.
Jamais!
Os olhos brilhavam, rebrilhavam e destilavam a essência genuína de todos os amores – o primeiro amor: tão arrebatador, impetuoso e, sobretudo, honesto – e que iluminava a pequena sala onde se redescobriam a cada manhã. Um misto de surpresa do tipo “Oh, você está aí!”, com um contentamento puro e companheirismo leal do tipo “Oh, que bom, você veio!”; cercava-os assim, esses sentimentos de poder-contar-com-alguém até o fim, fazendo-os fortes na tormenta que não tinham conta do que era.
Naquelas manhãs, tardes e noites, na sala pequena, sentados em poltronas que lembravam abraços e que lhes permitia atarem as mãos, o casal Amaury e Dirce – que porventura são meus pais – indicaram o que julgo ser a maior descoberta sobre o que permanece no fim de tudo e que é inviolável: provaram por a + b que o amor – o primeiro – é o único sentimento em que as engrenagens devastadoras do Alzheimer e da senilidade não têm forças para levar ou subtrair.
É uma pena que alheios a isso, aprendemos a desamar e a nos empurrar nesses tempos líquidos.
Sobre o autor
Filho de pais surdos, o filósofo carioca Márcio Messias Belém se utiliza da crônica, do conto e mesmo da prosa para tratar de forma delicada e ao mesmo tempo descontraída de um tema que deveria ser mais discutido na sociedade, a inclusão.
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