– José Hilário passava o dia virando e revirando os lixos das casas, em um bairro de Porto Alegre. Não fazia isso por compulsão; mas porque o vício do crack lhe tirou toda a dignidade humana, a ponto de buscar nas sobras alguma coisa para se alimentar: tornou-se, em decorrência do uso contínuo da substância, uma figura irreconhecível e bizarra, se comparado ao que era antes.
Um dia, entre sacos com restos de comidas pútridas, que catava para comer; respirando ao mesmo tempo todo aquele odor intragável de chorume, ouviu uma voz que julgou angelical – a sonoridade era carregada de suavidade e compaixão:
– Você se incomoda se eu lhe preparar um prato de comida, meu filho?
Ele fez que não com a cabeça. Estava mudo de vergonha. Nem quis lhe dirigir os olhos. Foi o suficiente para ela entender que aceitava.
Cinco minutos depois estava de volta, com um prato de comida bem arrumado e cheiroso. Também trouxe água fresca para que pudesse acompanhar a refeição, e um pouco de álcool em gel para passar nas mãos. José comeu, bebeu e levantou-se para seguir sua sina.
– Qual é o nome da senhora? – quis saber. – Maria. – respondeu.
José ficou gelado, quase desmaiando de temor. Interpretou e acreditou piamente que era a visão da Mãe de Jesus dos pobres, e que até ela usava máscara.
Depois disso, dizia a quem encontrava – eu vi; era exatamente assim!
Sobre o autor
Filho de pais surdos, o filósofo carioca Márcio Messias Belém se utiliza da crônica, do conto e mesmo da prosa para tratar de forma delicada e ao mesmo tempo descontraída de um tema que deveria ser mais discutido na sociedade, a inclusão.
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