Incentivo para salvar vidas. Esta foi a tônica das reivindicações de representantes e coletivos do movimento hip-hop que se reuniram nesta quarta-feira (15/9/21), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), para audiência da Comissão de Cultura. Participantes destacaram o trabalho realizado em diversas regiões do Estado e a importância dessa cultura de resistência para ressignificar as dores e as dificuldades de moradores das vilas e favelas.
Os quatro elementos do hip-hop – grafite, break, DJ e rap – estiveram representados, mas um quinto elemento foi destacado pelo coordenador Artístico da Graffiti BH, Frederico Eustáquio Maciel, o “Negro F”, que é a consciência. “Só na consciência e na resistência se faz um hip-hop forte. Estamos fazendo isso em todo o País, mas o poder público precisa ajudar. Salvamos vidas, exportamos cultura e levamos cor e vida a locais invisíveis ao Estado”, frisou.
O movimento, de acordo com os participantes, tem toda uma cadeia produtiva da chamada economia criativa, e investe também na educação e profissionalização, muitas vezes aportando recursos dos próprios envolvidos. “O break vai virar esporte olímpico. Vai ser uma febre, como o skate”, salientou Elizane Flávia Santos ao pedir incentivo do Estado. Ela é Bgirl (dança break) e arte educadora de Divinópolis (Centro-Oeste), onde o hip-hop se fundiu com o movimento negro para conseguir manter as ações.
Marcos Lourenço, produtor musical de Uberlândia (Triângulo), sistematizou as demandas e reivindicou um festival de hip-hop na região, abertura de espaços físicos para atividades em instituições públicas e um edital exclusivo para o hip-hop, que garanta o acesso dessa cultura, a exemplo do que existe, segundo ele, em Goiás. “Muitas vezes somos apontados como um bando de vagabundos drogados, mas estamos dando amparo a crianças e jovens”, argumentou.
O rapper Wilson Wagner Brandão Ribas, o W2, que milita na cultura hip-hop desde a década de 1990, reforçou essa inclusão social. “Nós provamos isso na pandemia. A Casa Hip-Hop Taquaril, a primeira de Minas Gerais, da qual sou coordenador, foi o único equipamento social que nunca fechou. Ajudamos mais de mil famílias a colocar comida no prato em locais onde o poder público não chega, já que o Taquaril é a última quebrada no extremo Leste de BH”, pontuou.
Resistência – A relação do hip-hop com a resistência e com a denúncia das mazelas da periferia também foi pontuada na reunião. Edenia Alcantara, vereadora de Itaúna (Centro-Oeste), reforçou que, muitas vezes, o primeiro contato do jovem com esse tema é pelo rap ou pelo grafite. Vitor Gonzaga, pós-graduando em Cultura e Educação, acrescentou que o setor entrega renda e ressignificação de pessoas. “O hip-hop devolve a voz e acalenta a dor de pessoas que enfrentam violências diversas”, afirmou.
Também participaram representantes do movimento de Governador Valadares (Rio Doce), Conselheiro Lafaiete (Central) e Belo Horizonte. Na Capital, uma lei de 2011 criou o dia e a semana do hip-hop. Mas Renato Borges, DJ e produtor cultural, também apontou a falta de recursos como um dificultador.
Deputada cobra fim da perseguição policial
Respondendo a questionamento de Negro F sobre o esvaziamento do programa “Fica Vivo” nas comunidades, a superintendente de Políticas de Prevenção à Criminalidade da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Flávia Cristina Mendes, relatou as dificuldades de retomada das oficinas, atualmente em torno de 130, contra um total de 400 antes da pandemia. “Cerca de 50% das oficinas são de arte e cultura, e é por isso que as parcerias com movimentos atuantes onde estamos, como do hip-hop, são fundamentais”, pontuou.
A deputada Andréia de Jesus (Psol), autora do requerimento de audiência, reconheceu a importância do “Fica Vivo”, mas criticou a ausência na reunião do titular da Sejusp, Rogério Greco. “A realidade infelizmente é outra, o Fica Vivo praticamente sumiu no Governo Zema, com quase todos os oficineiros dispensados. Queria ouvir do secretário como podemos avançar para que cultura hip-hop não seja perseguida nas ruas pelos policiais. Recebemos sempre denúncias de criminalização da cultura da periferia e do jovem negro”, denunciou.
Projetos
Andréia de Jesus também reforçou que é possível salvar a juventude com ações positivas, por meio da cultura, como fazem diversos coletivos de hip-hop. Ela anunciou o protocolo, também nesta quarta (15), de projeto de lei que cria a semana estadual do hip-hop. Outra proposição reconhece o movimento como patrimônio de Minas. “Nos 48 anos dessa cultura no mundo, ela teve um papel importante na construção da identidade do povo preto. É um pilar simbólico de resistência”, afirmou.
O presidente da comissão, deputado Bosco (Avante), também citou a “riqueza imensurável” das expressões da cultura popular em Minas, muitas delas no anonimato. Os dois parlamentares reforçaram o pedido de apoio ao poder público.
Luciana Dias Salles, diretora Cultural da Fundação Clóvis Salgado, deixou as portas abertas para que os coletivos do hip-hop usem espaços da fundação. Segundo ela, alguns projetos até foram elaborados, em parceria com o movimento, mas esbarraram em dificuldades. “Queremos colorir mais nossas plateias e palcos. Nossa casa é um pouco elitizada, mesmo oferecendo muitas atividades gratuitas”, admitiu. Um curso de hip-hop para iniciantes também é aposta da fundação para o ano que vem.
Já o diretor de Economia Criativa da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), José de Oliveira Junior, defendeu a inclusão do hip-hop e de outras culturas populares urbanas e tradicionais nos marcos legais. Segundo ele, isso está sendo feito, para povos e comunidades tradicionais, por meio do Projeto de Lei (PL) 2.976/21, em tramitação na ALMG. Essa seria uma condição, por exemplo, para fomentos públicos. O diretor, por outro lado, anunciou novas cadeiras no Conselho Estadual de Política Cultural (Consec), uma delas, justamente, para culturas populares urbanas.
Com informações da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
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