Orientada pelo gerente a prender cabelos “black power” para não “assustar os clientes”, emprega será indenizada

O fato ocorreu numa loja pertencente a uma rede de farmácias, na qual a empregada exercia a função de atendente.

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 19/06/2024, 15:04 - Atualizado em 19/06/2024, 15:06
Imagem ilustrativa. Crédito — Reprodução TRT MG. Siga no Google News

Um gerente de uma drogaria solicita a uma empregada que prende os cabelos de estilo black power “ numa redinha, para não assustar os clientes ”. O fato ocorreu na região de Divinópolis/MG, numa loja pertencente a uma rede de farmácias, na qual a empregada exercia a função de atendente. Para os juízes da Quinta Turma do TRT-MG, um trabalhador foi vítima de conduta agressiva e discriminatória, de cunho racista, que gerou danos morais.

A decisão é de relatoria da desembargadora Jaqueline Monteiro de Lima, que negou provimento ao recurso da empresa, para manter a sentença oriunda da 1ª Vara do Trabalho de Divinópolis, que condenou a drogaria a pagar à ex-empregada indenização de R$ 5 mil, pelos danos morais sofridos. Por unanimidade, os juízes acompanharam o entendimento da relatora.

As palavras utilizadas pelo gerente em sua solicitação ao atendente foram confirmadas por testemunha, que ainda relatou que não havia clientes próximos no momento, mas havia “ outras pessoas ”, e que o fato repercutiu no ambiente de trabalho. Segundo a testemunha, “ o RH ” teve conhecimento do ocorrido, após comunicação feita “ pelos farmacêuticos ” no canal da empresa denominada “ conversa ética ”, mas o gerente não se retratou.

De acordo com a relatora, ficou suficientemente comprovado o comentário ofensivo feito pelo gerente à empregada, impondo-se o dever da empresa de arcar com os acessórios devidos em razão dos danos morais gerados ao trabalhadora. Conforme observado a desembargadora, não houve configuração de assédio moral, porque não se provou perseguição ao atendente ou mesmo atos discriminatórios repetidos em relação a ela no ambiente de trabalho. Entretanto, o julgadora ressaltou que um único ato é passível de causar repercussões na esfera íntima, na honra e dignidade do trabalhador, sendo exatamente isso o que aconteceu no caso, tendo em vista o conteúdo racista e discriminatório do comentário.

Comentário de cunho racista

“Pouco importa, aqui, que o uso de cabelos presos fosse uma regra na empresa, uma vez que não foi esse o motivo apresentado à autora, mas a degradante alegação de que ela iria 'assustar' os clientes, caso permanecesse com os cabelos soltos no estilo 'black power'. Tal alegação, além de ofensiva e discriminatória, tem cunho nitidamente racista, não podendo, de forma alguma, ser respaldada por esta Justiça do Trabalho”, destacou a relatora no voto.

Segundo o pontuado na decisão, nos termos da Constituição da República de 1988, são valores supremos do Estado Democrático de Direito do Brasil a criação de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Além disso, o artigo 3º da Constituição estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos,  “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Conforme pontuável a julgada, é presumível o sofrimento causado à trabalhadora, principalmente considerando que o comentário foi feito na frente de outros empregados, colegas de trabalho.

Ausência de assédio moral, mas não de danos morais

As testemunhas ouvidas disseram que uma atitude discriminatória não se repetiu, mesmo quando, em outros benefícios, o atendente foi trabalhar de cabelo solto ou de trança. A relatora frisou que a ausência de reprodução da conduta é suficiente para afastar a caracterização do assédio moral, mas não para afastar o direito à indenização por danos morais no caso de um único fato lesivo, até porque a ofensa cometida se reveste de cunho racista.

De acordo com o acordo adotado na decisão, o dano causado ao trabalhador é evidente, assim como a culpa da empresa e o nexo causal entre ambos, estando presentes os requisitos necessários ao dever de componentes. Ressaltou-se ainda que o empregador responda pelos atos de seus prepostos (no caso, um gerente), cabendo a ele zelar por um bom e respeitoso ambiente de trabalho, o que não ocorreu.

A alegação da empresa de que o atendente não se valeu do canal de denúncias disponibilizadas pelo empregador foi considerada sem efeito para a análise do caso. “A denúncia foi feita, como comprovou a prova oral produzida, sendo irrelevante se diretamente pelo autor ou por outra pessoa a seu pedido ou em seu nome, notadamente porque se tratava de um canal para denúncias anônimas”, ponderou o relator.

Valor da denúncia

Também não teve acolhida a pretensão da empresa de redução do valor da indenização. Ficou esclarecido que as circunstâncias apuradas respaldaram o valor fixado na sentença, de R$ 5 mil, remunerando, com adequação, o constrangimento moral sofrido pela empregada, atendendo a parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade. Foram consideradas a extensão dos danos causados, o grau de culpa do empregador, sua capacidade econômica e, ainda, o efeito pedagógico das peças. A trabalhadora já recebeu os devidos valores e o juiz de primeiro grau declarou extinta a execução. O processo já foi arquivado definitivamente.

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