Outros olhares sobre o carnaval de Ouro Preto

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 27/02/2012, 22:01 - Atualizado em 27/02/2012, 22:01
Antes, durante e depois do carnaval Para um olhar comum, aquela atividade na Ponte dos Contos parecia um acidente, uma intervenção no trânsito ou uma maluquice de um grupo ideológico qualquer. As lonas negras estendidas no chão, as camionetes fechando a Rua São José, um pequeno aglomerado de homens e mulheres em várias faixas etárias e um batalhão de flashes tornavam a cena apoteótica. Quem chegava ali, logo parava e demonstrava uma curiosidade comum a todos. Do alto de uma sacada, eu acompanhava cada movimento, cada reação. Alunos e professores da Fundação de Arte de Ouro Preto invadiram a cidade histórica, munidos de luvas, toucas, pincéis, brochas e muitas latas de tinta com cores variadas e picharam as feias proteções de madeira que sempre são colocadas nas pontes da cidade e nos locais onde poderiam ocorrer quedas de foliões. Um objeto tomou conta de meu olhar. Um arqueológico retroprojetor impunha a imagem nas superfícies e uma infinidade de mãos e pincéis transformavam tábuas árduas em quadros de cultura popular que encantavam os turistas e os nativos. Após delinearem com tinta preta as imagens que seriam posteriormente coloridas, o bando migrava para outro lugar, feliz, falante, vivendo um carnaval diferente, cultural. Voltei à sacada durante o domingo de carnaval e vi os olhares dos visitantes e dos nativos sobre a mesma tela e eu sabia que em vários lugares de Ouro Preto a cena se repetia. O questionamento que nascia de cada fotografia ou leve meditação sobre o que se via: como pode uma cultura tão mal falada por muitos, o grafite, ser tão criativa, bonita e agradável aos olhos? Carnaval de Ouro Preto é assim: tudo vira chance de criação. Foi também com o conceito de criação, que percebi janelas de casas e prédios históricos forradas de pedaços de papéis coloridos, ao estilo “festa de São João”, em toda a região central da cidade. Duas se destacaram ao meu atento olhar: a ornamentação dos correios e a da Casa de Guignard. Ah, a Casa de Guignard, com muitos dos cartões de amor pelo artista produzidos e guardados em segredo para a amada, agora expunha a intimidade do amante para todos os foliões. Foi com tristeza que percebi que um número muito pequeno de nativos percebeu a intervenção artística ; os turistas acharam que aquilo era fantasia de carnaval para o museu. Expliquei para algumas pessoas o que eram aqueles cartões, para outras mostrei as janelas e em outras possibilidades apenas fotografei para registro. Carnaval em Ouro Preto também é conhecimento. Na volta para casa, vi quatro homens se abraçando, felizes, no Largo da Alegria. Curiosamente, eles aclamavam o amor que sentiam por Belo Horizonte. Aproximei-me para descobrir por que no carnaval de Ouro Preto, conhecido internacionalmente, aquele grupo não se fantasiou, não bebeu e não apreciou a folia em si. A felicidade deles se projetava por que saíram da capital mineira para fazer o carnaval da reciclagem de latinhas. Segundo um deles, em um só dia apenas eles conseguiram o salário de um mês. Outro chamou a cidade de “paraíso da reciclagem” e isso me deixou feliz. No Largo do Cinema, quatro homens vestidos de super-heróis (Batman, Homem-Aranha, Capitão América e outro que não consegui decifrar), estavam sentados, de cabeça voltada para o solo, talvez pensando na decadência do heroísmo em nossos tempos. Será que a encenação era a fantasia? A volta para casa não foi fácil. O trânsito, totalmente modificado, tornava nervosos alguns trabalhadores que precisam ir e vir. Preferi retornar a pé e, neste interim, pensei como seria o pós-carnaval nesta cidade linda: cheiros estranhos e embriagantes, frutos de má educação de pessoas que brincaram muitos dias sem parar, que não perceberam a arte das janelas, que não sentiram a empolgação dos estudantes e dos professores da FAOP, que sequer perceberam a presença dos banheiros químicos em todos os espaços possíveis. Este é o lado triste da festa: o depois. Graças a Deus, tem chovido com frequência e quem sabe, na quarta-feira de cinzas, a chuva não aliviaria nosso olfato de odores tão atrozes. Por fim, vi diante das repúblicas estudantis seguranças nas portas e muitos estudantes e suas famílias e amigos em atividades carnavalescas que mais pareciam piqueniques nos jardins das casas universitárias. Blocos surgiam das mesmas enquanto um cheiro de churrasco invadia o ar. Direcionei-me para os abadás, palavra de origem nigeriana, que agora se tornava comum ao vocabulário de nosso povo. O fruto do casamento entre estudante universitário que mora em república com visitante ali hospedado, cultura local e folia livre pelas ruas pode ser simplesmente traduzido como “carnaval dos abadás”. Sei que se permanecesse no centro histórico de Ouro Preto permitiria que todos os meus olhares fossem direcionados, mas também considero que outras pessoas fizeram o mesmo e, quem sabe, ao lerem essa crônica, compreendam a importância de não idealizarem um tipo único de folia nas históricas cidades mineiras, tão ecléticas e tão tradicionais... Elisabeth Maria de Souza Camilo Mestranda em Letras - Estudante de Jornalismo - Bacharel em tradução UFOP

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