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Ouro Preto não é uma “bomba relógio”

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Por JornalVozAtiva.com Publicado em 12/01/2012, 15:22 - Atualizado em 12/01/2012, 19:22
Comentário do Jornal Voz Ativa: “O autor faz explanação acadêmica e ao mesmo tempo, usa uma linguagem que traz, de várias formas, explicações e aconselhamentos necessários à população ouro-pretana que vem sofrendo as consequências da histórica falta de política de ocupação do nosso solo, que, por natureza, tem suas peculiaridades e ao mesmo tempo, a população, que necessita habitá-lo”. Ouro Preto não é uma “bomba relógio” Por Romero César Gomes Romero César Gomes é engenheiro civil e engenheiro geólogo pela Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, mestre em Geotecnia pela COPPE/UFRJ e doutor em Geotecnia pela Escola de Engenharia de São Carlos/SP. Atualmente é Professor da Universidade Federal de Ouro Preto e Coordenador do Centro Tecnológico de Geotecnia Aplicada (CTGA) da Escola de Minas da UFOP. As cidades históricas mineiras estão condenadas como núcleos urbanos? Ouro Preto é uma ‘bomba relógio’? A Serra de Ouro Preto é uma área de risco total? Na verdade, neste terreno, a geologia e a engenharia são inocentes; o risco real advém apenas da má informação. Além das águas que movem moinhos e tragédias, as chuvas trazem também muita espuma e insensatez. É notório que as características topográficas e geológicas do espaço urbano da cidade de Ouro Preto constituem razões mais do que suficientes para uma avaliação pessimista dos problemas geotécnicos que podem ser gerados durante os períodos de chuvas intensas ou de longa duração. É também sabido que a ocupação contínua deste espaço urbano, particularmente das encostas, de forma cada vez mais abrangente e mais desordenada, aumenta substancialmente a dimensão dos riscos associados a movimentos abruptos e descontrolados de massas de solos e/ou rochas (escorregamentos de forma geral). Essa ocupação inadequada traduz-se comumente pela execução de cortes e aterros descalçando a base dos taludes, pela acumulação de construções ao longo das calhas naturais de drenagem das encostas e pela remoção do solo de cobertura, que atua como elemento de proteção e estabilização de materiais mais profundos e pouco resistentes à erosão. É igualmente claro que o fluxo não controlado da água ao longo de uma encosta constitui um agente potencial de instabilização da mesma. Um ‘mapa de riscos’ constitui, em síntese e numa linguagem menos científica, o registro conjugado, para uma dada área e num dado tempo, da correlação entre os perigos potenciais associados a uma dada área, no caso, uma encosta (orientação desfavorável das camadas geológicas, relevo acidentado, surgências de água, etc) com a magnitude das conseqüências negativas associadas a um eventual desastre local (no caso, um dado escorregamento). Foi um trabalho desta natureza (chamado comumente de carta geotécnica), aplicado à área urbana da cidade de Ouro Preto, que foi desenvolvido pelo Núcleo de Geotecnia da Escola de Minas da UFOP e entregue recentemente à PMOP. O trabalho foi desenvolvido pelo Engenheiro Michel Morandini Fontes, na forma de uma dissertação de mestrado, sob minha orientação. O trabalho em si não é nem inédito, nem definitivo, e complementa uma pesquisa de campo de quase 10 anos. O valor intrínseco deste trabalho, além da atualização dos dados da área estudada, é que o mesmo foi ‘montado’ sob uma base de engenharia, no sentido que a engenharia tem de buscar uma quantificação dos dados. Essa quantificação foi (e continua sendo) obtida pelo trabalho de uma grande equipe de alunos de graduação dos cursos de Engenharia Civil e de Engenharia Geológica da UFOP, sob minha supervisão, sob duas formas: (i) vistorias e laudos técnicos consolidados de todos os problemas geotécnicos que sejam cadastrados na área urbana de Ouro Preto; (ii) monitoramento de encostas utilizando dispositivos especiais chamados inclinômetros. Estas informações, sob a forma de dados objetivos, alimentam as análises das correlações ‘perigos x conseqüências’, permitindo, assim, quantificar as influências relativas de fatores que são qualitativos por natureza como tipo da rocha, vegetação, declividade, forma da encosta, etc. Trata-se, portanto, de um trabalho dinâmico, que tende a ser cada vez mais aprimorado no tempo (na verdade, ele já deixou de ser atual na medida em que já precisa incorporar a ação dos eventos ocorridos nestas chuvas de 2011/2012, que introduziram vários fatores novos nas análises). Neste contexto geral, a chance do mapa ‘errar’ é, em princípio, menor, porque resulta de informações propiciadas pela melhor escola disponível, que é a natureza em si. A conjugação de todos estes dados permitiu definir ‘nuvens’ de áreas, ao longo de todo o espaço urbano da cidade de Ouro Preto, que são classificadas de Risco I (áreas de baixo risco) até Risco IV (áreas de risco muito alto). Assim, Ouro Preto encontra-se em uma área de risco 100%, como qualquer outra cidade histórica, como qualquer outro centro urbano, simplesmente porque, não existindo segurança sem riscos, também não existem áreas ‘sem risco’. Da mesma forma, seria um equívoco absurdo afirmar que existem bairros (ou serras) que são inteiramente áreas de risco máximo na cidade. Problema também seria desconsiderar, no entanto, que Ouro Preto possui um caráter singular como ‘área de risco’. Na forma de um vale encaixado entre duas serras imponentes, as comunidades urbanas de Ouro Preto estão submetidas a um grau de exposição muito elevado aos perigos naturais, elevando, assim, sobremaneira a magnitude de suas eventuais conseqüências. Um bom exemplo foi a ruptura do aterro rodoviário na ‘Volta do Córrego’ em 1997, liberando um grande volume de água que atingiu duramente os bairros da Água Limpa, Rosário e Pilar, em locais às vezes bem distantes da origem do evento. A própria Rodoviária encontrava-se a uma distância razoável da encosta que rompeu neste início de 2012. Esta ‘compactação’ do relevo é que resulta na gravidade dos problemas geotécnicos na cidade; assim, quando se fala que a área urbana da cidade de Ouro Preto possui cerca de 60% de áreas de risco, significa que aproximadamente 60% desta área está sujeita a graves conseqüências impactantes (riscos ‘alto’ e ‘muito alto’) quando perigos naturais são convertidos em desastres. As fontes destes eventos potenciais estão localizados tanto na Serra de Ouro Preto, como também em vários outros pontos da cidade (na Avenida Perimetral, por exemplo, do outro lado da cidade) e não necessariamente em encostas (no aterro rodoviário na região do Passa-Dez, por exemplo). Reduzir a vulnerabilidade das comunidades locais (e, portanto, reduzir os riscos) aos perigos naturais das encostas é um dos princípios básicos da aplicação de uma carta geotécnica deste tipo. A adoção de dispositivos de drenagem superficial e/ou subterrânea nas encostas, com manutenção periódica, permite reduzir este grau de exposição a níveis mais que satisfatórios em locais anteriormente críticos. Programas de monitoramento com a instalação de muitos outros instrumentos, particularmente nas zonas das encostas da cidade (atualmente, apenas 15 inclinômetros estão disponíveis na área urbana de Ouro Preto) asseguram esta mesma condição de riscos minimizados. Em última instância, impõe-se o remanejamento de algumas moradias das áreas em que intervenções técnicas sejam questionáveis face aos critérios econômicos de solução, para outras paragens (uma vez que estas inexistem no espaço urbano atual da sede do município). Em casos ainda mais específicos, há que se avaliar inclusive o remanejamento de infra-estruturas completas (como pode ser provavelmente o caso da própria Rodoviária da cidade). Soluções fáceis não existem, nem soluções de curto prazo. Inibir com rigor a ocupação desordenada de áreas críticas no espaço urbano da cidade já constitui uma primeira solução do problema. A aplicação de políticas de conscientização das comunidades locais que riscos geológico-geotécnicos são passíveis de controle e minimização constitui a base de qualquer solução no contexto da chamada ‘engenharia social’. Proposições igualmente relevantes seriam as de promover e sustentar a ação da Defesa Civil em trabalhos preventivos de grande escala e inserir a participação de especialistas em geologia e geotecnia da UFOP, das grandes empresas regionais de mineração e de outros centros locais na formulação de propostas técnicas de estabilização de áreas previamente detectadas como as de prioridade de intervenção. Ouro Preto é singular por muitos aspectos, e também do ponto de vista geológico e geotécnico. Não é uma ‘bomba-relógio’. Ouro Preto é uma área de risco como seria uma pseudo-‘Riscolândia’. A diferença entre aqui e a utopia é que, ao dispor de uma ferramenta adequada, o poder público municipal e as comunidades locais podem transformar integralmente um cenário farto de perigos naturais em um espaço físico sob controle e dominado por áreas de baixo risco. Até mesmo dos riscos da má informação.

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