Na Coluna ‘Fatos e Fotos de Ouro Preto’, “O Dia de Tiradentes: Ontem e Hoje” com Bernardo Andrade

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Por Tino Ansaloni Publicado em 31/05/2013, 21:36 - Atualizado em 31/05/2013, 21:44
Bernardo A. B. Andrade Historiador e Ouro-pretano Curta no www.facebook.com/jornalvozativa Siga no twitter.com/jornalvozativa Após breve pausa, retomamos com a seção Fatos e Fotos de Ouro Preto abordando um assunto muito polêmico nos dias de hoje, e que merece reflexão mais aprofundada: as comemorações do Dia de Tiradentes. Aproveito esse espaço também para fazer um protesto, ainda que tardio, a respeito da atual espetacularização dessa cerimônia e dos transtornos que gera à cidade. Como exposto no número anterior dessa seção, a figura dos inconfidentes, mais especificamente a de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, começou a ser revista pelo movimento republicano ainda nos anos 1860. Os revoltosos de 1789 passavam gradativamente a ser pintados como heróis brasileiros, culminando com a elevação de Tiradentes a protomártir da nação após a Proclamação da República. O dia 21 de abril, dia de seu enforcamento, foi declarado feriado nacional pelo decreto 155-B, de 14 de janeiro de 1890 - uma das primeiras medidas do Governo Provisório Republicano.De fato, nesse momento era preciso criar um simbolismo cívico forte que influenciasse as massas populares, e a figura idealizada do Tiradentes sintetizava bem os valores positivistas que os republicanos queriam transmitir. Nesse sentido, a sacralização de sua imagem apelava à religiosidade popular, buscando identificá-lo como o Cristo da República –exemplificado com perfeição nos quadros de Pedro Américo e no Monumento a Tiradentes edificado em Ouro Preto em 1894. Aqui, o Dia de Tiradentes passou a ser comemorado com paradas militares e civis – especialmente das escolas – realizadas na antiga Praça da Independência, rebatizada como Praça Tiradentes. Os tradicionais discursos de exaltação ao mártir e de seu caráter nacionalista assim como todo o evento eram animados pelas corporações musicais, contando ainda com cerimônias religiosas. Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas exaltaria ainda mais a figura dos inconfidentes em sua política nacionalista, quando são criados o Panteão e o Museu da Inconfidência. Porém, apesar de receber maior atenção nesse contexto, o cerimonial do evento e a participação popular mantiveram seu caráter respeitoso e cívico. Aliás, a cerimônia parece não ter se modificado muito durante o período democrático pós 1945. A fotografia do governador JK ladeado por Otacílio Negrão de Lima e pelo prefeito Amadeu Barbosa demonstraa atmosfera solene desse evento cívico. Durante a Ditadura Militar (1964-1985), Tiradentes foi declarado Patrono Cívico da Nação Brasileira (lei nº 4897, de 09 de dezembro de 1965) e as cerimônias em comemoração ao seu dia seriam novamente incrementadas. Evento eminentemente cívico, até os anos 80 do século passado a cerimônia do 21 de Abril era um momento solene, mas bastante popular. A Praça Tiradentes era enfeitada com mastros e bandeiras e o monumento recebia coroas de flores e placas comemorativas. Personalidades públicas, figurões políticos e religiosos discursavam, ladeados por tropas militares, corporações musicais e alunos das escolas em parada, dentre outras agremiações, enquanto a população assistia ao evento de forma respeitosa. Nessa época, o evento também começou a ser utilizado por diferentes movimentos para a realização de protestos políticos e sociais. Paralelamente, nessa década também ganha força o movimento de revisionismo da historiografia brasileira,que afetaria diversos conceitos e passagens de nossa história tidas como consolidadas. O ideário sobre a Inconfidência Mineira começa a ser desconstruído frente às novas abordagens dos processos da Devassa do movimento. O próprio papel do Tiradentes como líder da agitação passa a ser contestado, assim como as razões e motivos do movimento. No entanto, esse revisionismo permanece, em grande medida, restrito à academia, uma vez que a “visão oficial” é a que ainda prevalece. O incremento das cerimônias do 21culminariam com a transferência simbólica da capital do Estado para Ouro Preto durante essa data, além da criação da Medalha da Inconfidência. Principal honraria concedida pelo governo de Minas Gerais, essa medalha é entregue a personalidades de diversas áreas como “reconhecimento por sua atuação na promoção e desenvolvimento do Estado”. Porém, já no final dos anos 1990 e início do século XXI,a cerimônia começa sua escalada rumo à espetacularização que marca o evento na atualidade. A parte do civismo perdeu espaço para a pura demonstração de poder político do governo do Estado. Enormes estruturas passaram a ser montadas na Praça Tiradentes para a ocasião, atrapalhando o cotidiano da cidade antes mesmo de a festa começar. O cerimonial do governo toma conta de Ouro Preto e parece não dar muita atenção ao fato de que aquele espaço é o centro nervoso da cidade e um de seus cartões postais mais conhecidos. O crescente aparato utilizado nessas ocasiões e a interrupção de partes da Praça por tanto tempo – chegando ao limite de mais de vinte dias em 2013 –, atrapalham a circulação de pessoas e veículos em toda a cidade. Essa situação tomou tal dimensão nos últimos anos que, durante as solenidades, o acesso à Praça Tiradentes passou a ser restrito a representantes de órgãos públicos e convidados. A própria população foi excluída do evento, assim como os movimentos sociais e comunitários. A Medalha da Inconfidência perdeu muito de seu prestígio, servindo na atualidade mais como uma forma de agrado político de personalidades em evidência, mesmo que estas não tenham feito algo de relevante para Minas Gerais. A polêmica sobre o formato do 21 de Abril pode ser percebido claramente nas diferentes formas de protesto feitas por cidadãos e moradores. Alguns títulos de artigos na imprensa nos últimos anos demonstram claramente esta insatisfação: “Ouro Preto: Patrimônio Mundial ou Propriedade de Alguns?”; “O descaso do Governo do Estado com a população de Ouro Preto”; “O Playcenter da Inconfidência Mineira” e “A abusiva celebração da Inconfidência Mineira”. No entanto, para os homenageados e organizadores, principalmente os políticos presentes, a celebração apresenta significados muito distintos. Eles fazem parte da festa e se sentem agraciados com a honraria, além da visibilidade proporcionada em alguns casos. Mas a grande maioria não mora em Ouro Preto e poucos parecem se preocupar com os problemas causados à cidade e com a mudança do caráter da homenagem. O próprio IPHAN tem se manifestado pouco a respeito e a Prefeitura Municipal não teminfluência nas decisões da equipe do cerimonial do Estado, o que indica que essa situação não será resolvida num futuro próximo. Longe da crescente ostentação das cerimônias do 21 de Abril, o governo deveria se preocupar mais com o caráter simbólico e solene do evento e menos com o espetáculo. A participação popular, inclusive na forma de protestos e manifestações, é algo intrínseco ao evento e que nunca deveria ser coibido, especialmente num regime democrático. Da mesma forma, o respeito à cidade e sua população deveria ser levado em consideração pelo Estado, especialmente após tantas críticas ao formato atual da cerimonia. Quanto ao Tiradentes, o fato de ser considerado um “bode expiatório” da Inconfidência pela historiografia e de ter sua figura idealizada no Brasil Republicano não desmerecemem nada seu caráter como “Patrono Cívico da Nação”. Sua “altives e petulância”, descritas nos Autos de Devassa, onde foi o único a declarar participação no movimento e a pagar com a vida pela mesma, corroboram esse caráter. Além disso, a famosa frase inscrita nos autos e atribuída a ele – “Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria” – demonstra seu comprometimento com a defesa dos ideais em que acreditava. É nesse sentido que devemos respeitar sua memória. Um mártir imperfeito, mas que morreu defendendo seus ideais. Conheça mais sobre esse e outros temas interessantes em: ANDRADE, Bernardo A. B., CHIODI, Carolina F. N., SIMÃO, Maria C. R., SILVA, Vanessa R. F.Ah, se essa Praça falasse! Apropriação social da Praça Tiradentes em Ouro Preto/MG. Artigo apresentado no Encontro Internacional Arquimemória4, Salvador/BA, maio de 2013. LESSA, Maria Aracy. Ouro Preto do Meu Tempo. J. Ozon + Editor, 1967. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. FURTADO, João Pinto. O manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa. A Inconfidência Mineira. Brasil e Portugal (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000 (5ª edição)

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