A época da Maria Candelária já passou

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Por Tino Ansaloni Publicado em 15/04/2014, 22:10 - Atualizado em 15/04/2014, 22:13

Por Valdete Braga

Ouvir conversa dos outros é falta de educação e às vezes precisamos pagar o preço por sermos educados. Ouvi uma enquanto esperava o ônibus, na qual foi difícil não entrar. Costumo dizer que ponto de ônibus é uma oficina, é cada coisa que se ouve!

Eu estava no ponto, aguardando transporte para o Bauxita, em Ouro Preto-MG, cidade onde nasci e moro. Junto estavam algumas pessoas, entre elas dois estudantes que conversavam despreocupadamente, no tom de voz alto comum aos adolescentes. Discutiam se haveria ou não greve no IFMG. A certa altura, um deles falou que a greve deveria acontecer na Instituição, porque a UFOP já havia aderido. Até aí nenhuma novidade; a conversa estava lógica e coerente. Até que, depois desta frase do colega, o outro estudante respondeu: “mas a greve da UFOP não vai fazer diferença, quem não faz nada é que está em greve”.

Pronto. Toda a coerência foi por água abaixo. A frase passou despercebida para todos que ouviram, menos para mim. Para mim não poderia passar, como tenho certeza de que não passaria para qualquer funcionário público responsável que ali estivesse. “Os que não fazem nada”. Como assim? Se já não bastasse o descaso do governo, se alunos seguirem esta linha de raciocínio, estamos perdidos. Entendo o lado do aluno em querer aulas, em se preocupar com o calendário, etc. Já fui aluna e enfrentei greves, não é fácil e prejudica sim, isto é inegável. Mas daí a dizer que uma classe inteira “não faz nada” vai uma enorme diferença. Vindo da boca de um jovem estudante, a frase ganha mais peso ainda.

Muito já se evoluiu no sentido de pensar que funcionário público é malandro. Esta mentalidade ficou lá na época da “Maria Candelária”, que com certeza os dois rapazes nunca ouviram falar. Existe funcionário público ocioso? Acredito que sim. Como existem funcionários de empresa privada, autônomos, domésticos... da mesma forma, existem também excelentes profissionais em todas as áreas. O que sabe o rapaz sobre o assunto? Como ele determina, no alto dos seus quinze, dezesseis anos, quem trabalha e quem não trabalha dentro da UFOP? E pelo que ficou claro na conversa que todos ouviam, nem alunos da UFOP eram os rapazes. São do IFMG.

Conheço muitos, e são muitos mesmo, funcionários públicos dedicados, competentes e sérios. Pessoas que saem de casa para produzir, receber o seu salário com o seu trabalho digno, seja ele braçal ou intelectual, não importa. Pais e mães que trabalham para se sustentar e sustentar a família, dando aos filhos condições dignas de vida. Trabalham, e muito, produzem, e muito; para amanhã (alguns hoje) poderem proporcionar aos filhos o mesmo estudo deste jovem que diz em alto e bom som que eles não fazem nada. De onde o rapaz tirou esta idéia? Do que vê na televisão sobre funcionários do alto escalão do governo que muitas vezes são parasitas mesmo? (Deixando claro que isto não é regra). De comentário dos pais, ou outros adultos que ainda estão na época da “Maria Candelária”?

Pessoas que pensam assim deveriam fazer uma visita à UFOP e ao IFMG, onde estudam seus filhos. Não vou negar que podem encontrar um ou outro funcionário “sem fazer nada”, mas posso garantir que a maioria absoluta deles faz diferença sim, e muita!

Nota da autora: Maria Candelária é uma marchinha de carnaval de grande sucesso composta na década de 1950 por Klécius Caldas e Armando Cavalcant e foi eternizada. A música faz uma sátira aos funcionários apadrinhados do serviço público que fazem carreira sem merecimentos.

 

Um Comentário

  1. Ana Cláudia Boaventura 16/04/2014 em 13:10- Responder

    Não conheço a música mas o texto ficou excelente. Muitos jogam pedra no funcionalismo publico, mas como em todo lugar lá tem gente trabalhadora e gente malandra e o texto mostra isto muito bem, parabéns!

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