Prosa na Janela: “E assim nasceu o amor”, por Roberto dos Santos

Leia mais um conto inédito de Roberto dos Santos no JVA.

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Por Roberto dos Santos Publicado em 27/06/2024, 12:10 - Atualizado em 27/06/2024, 12:10
A escrita de Roberto dos Santos, colunista cativo do JVA, transita entre a prosa, o conto e a crônica. Crédito — Arquivo pessoal. Siga no Google News

A rua era íngreme, mas nem tanto. Mesmo assim Agnes escorregou e foi ao chão. Lorenzo, que caminhava calmamente, apressou-se e correu na direção dela e ofereceu amparo.

A Rua Conde de Bobadela, também chamada de Rua Direita em Ouro Preto Estado de Minas Gerais, fica muito escorregadia quando está molhada, e Agnes não se atentou a esse importante detalhe ao sair de casa pela manhã.

Desde o Largo de Coimbra, próximo à igreja São Francisco de Assis, onde desembarcou vindo do bairro São Cristóvão, localizado na saída para Belo Horizonte, que ela percebeu o perigo de caminhar em Ouro Preto usando calçado inadequado. Quando se fala de Ouro Preto, essa lindeza das Minas Gerais, calçado inadequado é todo aquele calçado de base lisa, rasteiro e sem uma proteção de borracha no solado.

Agnes subiu a Rua Claudio Manoel, a conhecida Rua do Ouvidor, já se sentindo instável. Mas já era tarde demais para trocar o calçado, sua casa estava longe, restava então seguir em frente e tomar cuidado.

Passou pela Praça Tiradentes lentamente, seus pés buscavam os pontos de ligação entre as pedras da calçada na tentativa de proteger-se de uma possível queda.

Quando chegou a Rua Direita, quase desistiu de prosseguir, a rua estava coberta pelo orvalho da madrugada, o que potencialmente aumentou o risco de queda. Agnes intensificou os cuidados e seguiu na descendente rumo a Praça Reinaldo Alves de Brito, a Praça do Cinema. Seu destino final era algum ponto da rua São José.

Quando estava próximo à travessa Cônego Camilo, via de intersecção entre a Rua Senador Rocha Lagoa, popularmente conhecida como das Flores, e a Rua Direita, algo inusitado aconteceu.

Mesmo caminhando com todo cuidado, Agnes não viu uma falha na calçada, faltava uma pedra no seguimento em que elas se entrelaçavam. Agnes que estava atenta ao orvalho que molhou as pedras durante a noite, foi levada ao chão por algo que ela não esperava. Havia um buraco em seu caminho.

Lorenzo que caminhava sentido Praça Tiradentes, imediatamente a amparou. Temeroso em agravar ainda mais a lesão, o rapaz sentou no chão sem levar em conta as pedras molhadas e colocou a cabeça de Agnes sobre o seu colo e esperou a chegada de uma ambulância.

Enquanto esperavam, Lorenzo confortava Agnes com palavras afáveis e suaves carícias em seus cabelos.

Aquele estranho homem surgido do nada, estava proporcionando a bela mulher momentos de profundo alívio, transformando a dor de Agnes em algo suportável.

Ela parecia anestesiada pelos afagos de Lorenzo. Ele não estava se aproveitando dela, foi a forma momentânea e instintiva que encontrou para confortá-la diante de uma situação delicada e dolorida.

Os pés de Agnes estavam inchados, mas a dor surpreendentemente não a incomodava. Lorenzo conversava calmamente com Agnes fazendo com que ela não sofresse os incômodos da queda. Ela, mesmo em meio ao cenário de caos, esboçava breves e suaves sorrisos, indícios de que a presença de Lorenzo a ampará-la, trazia-lhe grande contentamento.

A ambulância chegou e os procedimentos iniciais foram iniciados pelos profissionais da saúde. Lorenzo se afastou, e a dois passos de onde ela estava ficou a observar atentamente.

O médico da unidade móvel estranhou a tranquilidade da mulher diante de um cenário de dor. Quiseram saber se ela queria falar com alguém para acompanhá-la ao hospital para tirar um raio-x. Ela hesitou um pouco, endireitou seu olhar na direção de Lorenzo que sem palavras compreendeu o desejo de Agnes.

Ele ergueu a mão como sinal de aprovação, como que dizendo ao pessoal do atendimento que ele iria com ela.

Agnes deu um sorriso, levando os profissionais da saúde a acreditarem imediatamente que Lorenzo tinha uma ligação próxima com ela. Sem fazer questionamentos, eles prontamente permitiram que o rapaz entrasse na ambulância ao lado dela.

Os dois experimentavam uma conexão intensa e profunda entre si, mas não atinaram que pudesse ser sintomas de amor. Talvez, devido ao curto período em que se conheciam, não conseguiam entender as sensações e desejos que surgiram entre eles.

Agnes não quis avisar seus parentes sobre o ocorrido com ela, temendo que Lorenzo fosse embora assim que alguém da parte dela aparecesse.

Ele também não queria ir embora, e ficou revolvendo os trâmites burocráticos referente a realização do raio-x, os dois compartilhavam, sem perceber, a vontade de estender ao máximo os instantes que passavam juntos.

Após tudo resolvido, e Agnes ser encaminhada para o raio-x, Lorenzo disse que iria embora desejando no silêncio do seu coração que ela pedisse para ele ficar.

Ela entristeceu-se um pouco e perguntou se o veria de novo. Ele em tom interrogativo respondeu já perguntando se ela desejava que ele ficasse. Ela balançou a cabeça positivamente deixando transparecer sua alegria em estar com ele.

As reações de Agnes soaram como resposta positiva aos anseios de Lorenzo que no seu íntimo não queria partir.

Ela então pediu que ele se aproximasse, com o intuito de demonstrar sua gratidão pelas boas ações feitas em seu favor, mesmo sem qualquer conhecimento prévio.

Ao se aproximar, Agnes segurou a mão de Lorenzo e o puxou na sua direção. Soltou sua mão direita que estava envolvida na dele, direcionou ao rosto, num gesto suave e terno, e foi afagando com carinho a face ruborizada do homem. Depois puxou o rosto de Lorenzo de encontro a seus lábios e o beijou demoradamente.

Agnes não disse uma palavra a mais, apenas pegou o telefone e ligou para sua mãe para contar detalhadamente tudo o que havia acontecido, inclusive sobre ter arrumado um namorado.

A mãe dela, ao telefone, informou que não aprovava o namoro com alguém conhecido numa circunstância tão incomum e se dirigiu ao hospital onde Agnes estava. Ao chegar, ela fez algumas perguntas aos enamorados e expressou sua desaprovação em relação ao namoro, porém, ao relatar os detalhes do incidente na Rua Direita, ao lado de Lorenzo, Agnes fez sua mãe se comover, que olhando nos olhos de Lorenzo, expressou sua gratidão por tudo.

Dois anos se passaram desde aquele acontecimento, Agnes e Lorenzo decidiram se unir em matrimônio. Ambos não esqueciam da Rua Direita e do local exato onde tudo teve início. Com dois anos de união, veio ao mundo a pequena Elena.

A partir desse momento, as caminhadas pela encantadora cidade de Ouro Preto eram feitas por três pessoas: a doce Elena, Agnes e Lorenzo, que se tornaram os personagens principais de uma bela história de amor

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